BOAS VINDAS

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O valente

“O valente”



      Chegou  à  cidadezinha  de Pedras Altas numa chuva antiga.  Em boa sela e melhor estribo veio ele.  Falava pelo canto da boca ― do outro lado a brasa do seu charuto espiava o mundo. No Hotel Chic, tirando uma pesada e alentada garrucha, deu nome e patente:
      ― Sou o Capitão Quirino Dias.
      Mandou que arrumassem o seu baú de viagem dentro do maior cuidado:
      ― É tudo munição, coisa de muita responsabilidade.
      A cidadezinha de Pedras Altas viu logo que estava diante de um pistoleiro de marca. E isso ganhou raiz quando um tropeiro, indo ao Hotel Chic levar encomenda de boca, espalhou que o sujeitão do charuto era um perseguido da Justiça, que matava pelo gosto de ver de que lado o cristão caía:
      ― Vou simbora, que esse capitão é o capeta.
      E foi. Atrás da poeira do tropeiro a fama de Quirino Dias cresceu. No Hotel Chic o melhor prato era para seu dente, o melhor doce era para sua língua. De tarde, em
15 cadeira de palhinha, o capitão montava a sua pessoa na porta da rua. Pedras Altas passava por ele de cabeça baixa, acanhada, fazendo questão de saudar o pistoleiro. E no dia em que bebeu cachaça, com pólvora, na vista de todo o Hotel Chic, então não teve mais tamanho a sua fama. Bebeu e disse:
      ― Tenho trabalho longe. Só volto na semana entrante.
      No quarto, remexeu o baú, limpou a garrucha e sumiu nas patas de seu brasino. O povo comentou:
      ― É viagem de tocaia.
      Foi e voltou dentro do tempo estipulado. De novo montou seu charuto na porta do Hotel Chic. Com o rolar dos dias, o capitão ficou mais exigente.  Uma tarde, como não apreciasse o canto choco de certo galo-capão, foi ao quarto, mexeu no baú e despejou dois tiros no infeliz. Fez o mesmo com um bem-te-vi que gozava as suas tardes fagueiras em galho de jaqueira. Desde essa precisa hora em diante, toda vez que o capitão ameaçava  recorrer ao baú.
      Pedras Altas tremia:
      ― Capitão, não faça isso, capitão, tenha dó.
      A bem dizer, a cidadezinha era dele. Seus pedidos de dinheiro corriam nas pernas dos moleques de leva-e-traz. E era quem mais queria municiar o capitão, no medo de que fosse ao        baú. Ele mesmo dizia pelo canto desocupado da boca:
      ― Não abro aquela peça sem ganho.
      Aconteceu, então, o caso da onça. A notícia veio ligeira e ligeira parou no Hotel Chic. A pintada fazia e acontecia, comia bezerro com casco e tudo. O recadeiro mediu o tamanhão da bichona:
      ― É de porte alentado, para mais de duzentas arrobas.
      Pedras Altas riu da onça, da desgraça da onça. Tanto pasto para vadiar e logo onde veio a pobre tirar carta de brabeza: Em Pedras Altas do Capitão Quirino Dias!  Pepito Rosa, dono de  um comercinho de cachaça, riu da pouca sorte da onça:
      ― Vai ser azarada assim na casa dos capetas.
      Uma embaixada de coronéis, com todos os seus pertences, na mesma tarde foi pedir a Quirino Dias providências contra a onça. Logo na abertura da conversa, o capitão arregalou os olhos e gritou:
      ― Onça? Está dando onça em Pedras Altas? Socorro! Quero lá saber disso!
      E a cidade inteira viu assombrada, de queixo caído, o pistoleiro sumir de ladrão, fugindo nos cascos de seu cavalo. Nem teve tempo de levar o baú, uma peça de folha onde o capitão guardava suas bugigangas ― pentes, rendinhas, frascos de cheiro, alfinetes e águas de moça. Quirino Dias era caixeiro viajante.

(CARVALHO, José Cândido de. Crônicas exemplares.

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