BOAS VINDAS

Seja bem-vindo/a ao meu blog. Leia, pesquise, copie, aprenda, divirta-se; fique à vontade e tire proveito de sua estada aqui.

sábado, 31 de agosto de 2013

Sete reflexões sobre o uso da água


Sete reflexões sobre o uso da água



1. A década de 70 foi marcada pelo despertar das preocupações ambientais. Até o início dos anos 80, as questões relacionadas ao uso da água (geração de energia, abastecimento doméstico e industrial, coleta de esgoto, lazer) e seu manuseio não levaram em conta as consequências ambientais.

2. A contradição é tamanha que mesmo com toda a chuva que cai, por exemplo, em São Paulo, a contaminação da água superficial e subterrânea é tanta que, para o abastecimento da região metropolitana a água é buscada a mais de 150 km de distância. Ou seja, a chuva que deveria ser uma bênção é um fator de destruição e de risco.

3. Hoje não existe mais água no mundo do que havia há 21 séculos, quando a população era menor do que 3% do que é hoje. Se a água vai continuar tendo a mesma quantidade, é bom lembrar que a população continuará crescendo.

4. O Brasil, no todo, é um País rico em água. Dispõe de 12% de água doce superficial do mundo, mas tem vivido uma ilusão de abundância a despeito das diferenças de má distribuição pelo seu território.

5. Mesmo nas regiões caracterizadas como de água abundante, a água está se tornando escassa porque sua qualidade deteriora. Essa é uma questão ambiental grave e do momento.

6. Dado importante: a lei brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo contemplando as questões básicas da sustentabilidade do uso da água. Hoje não se pode fazer a gestão dos recursos hídricos independente da gestão do uso do solo e sem que os usuários participem do processo decisório quanto ao planejamento dos usos.

7. Hoje não se pode mais planejar um único uso sem considerar as múltiplas finalidades da água, como abastecimento, geração de energia, navegação, lazer, pesca e proteção ao ecossistema.


(Folha do meio ambiente – abril de 2013)


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Derrota da censura


Derrota da censura



A decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de aprovar em caráter conclusivo o projeto que autoriza a divulgação de imagens, escritos e informações biográficas de pessoas públicas pode ser um marco na história da liberdade de expressão no país.
Até agora, o Brasil vem caminhando no obscurantismo no tocante à publicação ou filmagem de biografias. O artigo 20 do Código Civil bate de frente com a Constituição, que veta a censura. Só informações avalizadas pelo biografado ou pela sua família podem ser mostradas. É o império da chapa branca, cravado numa sociedade que caminha para o pluralismo, a transparência, a troca de opiniões.
O brasileiro vê estupefato uma biografia de Roberto Carlos sendo recolhida e queimada; biografias de Guimarães Rosa e Raul Seixas sendo proibidas de circular; inúmeros filmes vetados por famílias que se julgam no direito de determinar o que pode ou não pode ser dito sobre qualquer pessoa. Exatamente o que os generais acreditavam poder fazer em relação a jornais, rádios e televisão.
[....] O projeto aprovado na CCJ abre caminho para que a sociedade seja amplamente informada sobre seus homens públicos, seus políticos, seus artistas, não apenas através de denúncias, mas também de interpretações. O livro publicado sobre Roberto Carlos era laudatório; o mesmo acontecia com o documentário de Glauber Rocha, também proibido, sobre Di Cavalcanti.
[....] A alteração votada abre um leque extraordinário ao desenvolvimento da produção cultural neste país. Mais livros serão escritos, mais filmes serão realizados, mais trajetórias políticas e artísticas serão debatidas.


(Nelson Hoineff O Globo, 11/04/2013)


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Construção



Construção




Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido.

Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima.

Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música.

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público.

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego.

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado.

Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego.

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo.

E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago.

Morreu na contramão atrapalhando o público.

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro.

E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado...
Morreu na contramão atrapalhando o sábado.



(Chico Buarque)


terça-feira, 27 de agosto de 2013

O céu na gaveta



O céu na gaveta





Perdemos Plutão? A União Astronômica Internacional (UAI) expulsou-o da família de planetas, mas ele continua lá fora, gélido e silencioso como antes. Ciência é investigação, segundo um método, criatividade e arte.
Quando expurgou Plutão, a UAI não fez ciência: produziu uma definição, entre outras possíveis, com a finalidade de classificar e nomear. Nomear é um ato de poder. É um gesto de apropriação intelectual, com repercussões simbólicas. A UAI não descobriu nenhuma característica nova dos planetas nem ofereceu alguma teoria inovadora acerca do Sistema Solar. Ela optou por uma ordem simbólica, excluindo outras. Inicialmente, a hipótese aventada foi permitir a multiplicação de planetas. A consequência disso seria destruir a figuração popular de um sistema compacto, que aprendemos a reconhecer na infância e que nos conecta à vastidão do cosmo. Ao rejeitar essa destruição, a UAI estava dizendo que o céu deve caber na gaveta.
A solução encontrada é mais do que isso. O "novo" Sistema Solar apresenta-se como figuração de uma ordem perfeita. São quatro planetas interiores, pequenos e rochosos, separados de quatro planetas exteriores, grandes e gasosos, pela vasta faixa de fronteira de um cinturão de asteroides. A UAI pretendeu sublinhar a gênese comum do Sistema. Mas, na sua lancinante simetria, o modelo adotado tem propriedades estéticas que sugerem um arranjo divino.
Não encontrou acolhida a hipótese de conservar tudo como estava, pelo recurso de batizar de "planetas clássicos" os nove planetas tradicionais e fechar as portas da família aos intrusos. Essa solução não pareceu "científica" o suficiente, pois desafiava a lógica cartesiana: como justificar a condição planetária de Plutão, negando-a a astros "similares" recentemente descobertos?
A figuração do Sistema Solar tem, essencialmente, funções de divulgação e educação. A força sugestiva dos nomes mitológicos dos planetas alia-se a imagens poderosas, como os anéis saturnianos, para capturar a imaginação das crianças e conduzi-las ao labirinto de curiosidades no qual podem deparar com o discurso das ciências. O Sistema Solar deposto cumpria melhor essas funções.
Não perdemos Plutão. Perdemos um sistema que, além de compacto, apresentava-se como ordem imperfeita e sugeria um ponto de fuga para a complexidade. Esse ponto era Plutão.
O nono planeta, longínquo e minúsculo, com seu núcleo parecido com o de um cometa e sua órbita divergente, indagava a simetria do conjunto e desarmava os espíritos. Ele nos alertava para as limitações do modelo, como quem aponta uma frase inconclusa. Foi isso que perdemos.



(Demétrio Magnoli. Folha de S. Paulo, 31/08/2006)