BOAS VINDAS

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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A árvore em fogo



A árvore em fogo



Na tênue névoa vermelha da noite
Víamos as chamas, rubras, oblíquas
Batendo em ondas contra o céu escuro.

No campo em morna quietude
Crepitando
Queimava uma árvore.

Para cima estendiam-se os ramos, de medo estarrecidos
Negros, rodeados de centelhas
De chuva vermelha.

Através da névoa rebentava o fogo.
Apavorantes dançavam as folhas secas
Selvagens, jubilantes, para cair como cinzas
Zombando, em volta do velho tronco.

Mas tranquila, iluminando forte a noite
Como um gigante cansado à beira da morte
Nobre, porém, em sua miséria
Erguia-se a árvore em fogo.

E subitamente estira os ramos negros, rijos
A chama púrpura a percorre inteira
Por um instante fica erguida contra o céu escuro
E então, rodeada de centelhas
Desaba.



Bertolt Brecht. Internet: .
Acesso em 9/6/2003 (com adaptações).


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

História de bem-te-vi



História de bem-te-vi



Com estas florestas de arranha-céus que vão crescendo, muita gente pensa que passarinho é coisa só de jardim zoológico; e outras até acham que seja apenas antiguidade de museu. Certamente chegaremos lá; mas por enquanto ainda existem bairros afortunados onde haja uma casa, casa que tenha um quintal, quintal que tenha uma árvore. Bom será que essa árvore seja a mangueira. Pois nesse vasto palácio verde podem morar muitos passarinhos.
Os velhos cronistas desta terra encantaram-se com canindés e araras, tuins e sabiás, maracanãs e “querejuás todos azuis de cor finíssima...”. Nós esquecemos tudo: quando um poeta fala num pássaro, o leitor pensa que é leitura...
Mas há um passarinho chamado bem-te-vi. Creio que ele está para acabar. E é pena, pois com esse nome que tem - e que é a sua própria voz - devia estar em todas as repartições e outros lugares, numa elegante gaiola, para no momento oportuno anunciar a sua presença. Seria um sobressalto providencial e sob forma tão inocente e agradável que ninguém se aborreceria.
O que me leva a crer no desaparecimento do bem-te-vi são as mudanças que começo a observar na sua voz. O ano passado, aqui nas mangueiras dos meus simpáticos vizinhos, apareceu um bem-te-vi caprichoso, muito moderno, que se recusava a articular as três sílabas tradicionais do seu nome, limitando-se a gritar: “...te-vi!...te-vi!”, com a maior irreverência gramatical. Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras, achei natural que também os passarinhos estivessem contagiados pelo novo estilo humano. Logo a seguir, o mesmo passarinho, ou seu filho ou seu irmão - como posso saber, com a folhagem cerrada da mangueira? - animou-se a uma audácia maior. Não quis saber das duas sílabas, e começou a gritar apenas daqui, dali, invisível e brincalhão: “...vi!...vi!...vi!...”, o que me pareceu divertido, nesta era do twist.
O tempo passou, o bem-te-vi deve ter viajado, talvez seja cosmonauta, talvez tenha voado com o seu team de futebol - que se não há de pensar de bem-te-vis assim progressistas, que rompem com o canto da família e mudam os lemas dos seus brasões? [...]
Mas hoje ouvi um bem-te-vi cantar. E cantava assim: “Bem-bem-bem...te-vi!” Pensei: “É um nova escola poética que se eleva da mangueira!...” Depois, o passarinho mudou. E fez: “Bem-te-te-te...vi!” Tornei a refletir: “Deve estar estudando a sua cartilha... Estará soletrando...” E o passarinho: “Bem-bem-bem...te-te-te...vi-vi-vi!”
Os ornitólogos devem saber se isso é caso comum ou raro. Eu jamais tinha ouvido uma coisa assim! Mas as crianças, que sabem mais do que eu, e vão diretas aos assuntos, ouviram, pensaram e disseram: “Que engraçado! Um bem-te-vi gago”.
(É: talvez não seja mesmo exotismo, mas apenas gagueira...)


(Cecília Meireles)


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Queimadas



Queimadas



Nuvens de fumaça das queimadas bloqueiam 20% da luz solar, diminuem as chuvas e esfriam a Amazônia.
Quase todo mundo já viu esta cena, ao vivo ou na televisão: nuvens de fumaça tingem de cinza o céu da Amazônia no auge da estação das queimadas, entre agosto e outubro, a época mais seca do ano na região.
Nesse período, por falta de visibilidade, microscópicas partículas decorrentes da combustão da vegetação, chamadas de aerossóis, turvam de forma tão marcante o firmamento que aeroportos de capitais como Rio Branco e Porto Velho fecham constantemente para pousos e decolagens.
Num dia especialmente opaco, um falso, lento – e lindo – pôr do sol pode começar ao meio-dia e se arrastar por horas.
Tudo por causa da sombra de aerossóis que paira sobre partes significativas da Amazônia quando o homem usa uma das formas mais primitivas e poluidoras de limpar e preparar a terra para o cultivo, o fogo. A escuridão fora de hora, como se sobre a floresta houvesse um guarda-sol gigante fabricado pelo homem, pode ser o efeito mais visível de uma atmosfera saturada de finíssimas partículas suspensas, mas nem de longe é o único.
Só agora a ciência começa a ter elementos para ver que as queimadas, principal fonte de aerossóis durante a estiagem na região Norte, perturbam o clima e a vegetação de formas ainda mais sutis e perversas. Ao desencadear uma cascata de eventos físico-químicos poucos quilômetros acima da floresta, a espantosa concentração de aerossóis na Amazônia no auge da estação do fogo – com picos de 30 mil partículas por centímetro cúbico de ar, uma taxa cerca de 100 vezes maior do que a verificada na poluída cidade de São Paulo em pleno inverno – altera o ambiente imediatamente abaixo da nuvem de fumaça: reduz em média um quinto da luz solar que incide sobre o solo, tem potencial para esfriar a superfície em até 2º Celsius e diminuir de 15% a 30% as chuvas na região.[...]
O ser humano é o maior responsável pelos incêndios florestais, devendo ser implantado um programa permanente de educação ambiental, visando a sua conscientização sobre os prejuízos decorrentes das queimadas e a vantagem de se utilizar outras técnicas agrícolas mais modernas.
A conscientização das pessoas é um importante passo à prevenção e pode ser feita nas escolas, através da imprensa, e por instituições sociais.[...]
O Corpo de Bombeiros e as Brigadas Voluntárias de Combate a Incêndios Florestais devem sempre ser avisados o mais depressa possível em casos de incêndio.


(in:
queimadas/queimadas.php> fragmentado e adaptado. Acesso
em18/06/2012)


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Eugênio



Eugênio



Atravessou o pátio interno da fábrica. Os grandes pavilhões de concreto pareciam estremecer ao ritmo das máquinas. Eugênio ouviu aquela pulsação surda que lhe sugeria o bater dum enorme coração subterrâneo. Ela lhe dava uma vaga angústia, causava-lhe um indefinível temor: dir-se-ia a aflição dum homem que sente no subsolo o agitar-se duma sub-humanidade que trabalha com silenciosos propósitos de destruição. O atroar das máquinas era um ruído ameaçador.
O escritório lhe pareceu mais frio e convencional que nos outros dias. Sentou-se à mesa, abriu uma das gavetas, remexeu nos papéis... Não encontrando os que procurava, chamou a secretária, uma rapariga magra de ar cansado.
- Boa tarde, D. Ilsa. Alguém me procurou?
- Não senhor, ninguém.
- Onde estão aquelas folhas que vão para o Ministério do Trabalho?
- Na gaveta do centro.
Tornou a abrir a gaveta e encontrou os papéis.
- Tem razão, cá estão eles.
Pô-los em cima da mesa, tomou da caneta.
- A senhora anda muito pálida e com jeito de cansada. Por que não tira umas férias?
Assinava os papéis automaticamente, sem revisá-los. Sentia agora um interesse fraternal pela secretária. A criatura tinha um jeito encolhido de passarito doente.
- E a dor nas costas. ainda não passou?
- Às vezes, quando me deito, ela vem.
- Deve ser da posição em que fica quando escreve à máquina. Precisa cuidar-se D. Ilsa.
A moça sorria, meio constrangida. Eugênio se perguntava a si mesmo por que era que de repente se fazia assim tão solícito, tão atencioso, como um irmão mais velho. Concluiu que era porque tinha pena da moça: pena de todos os que sofriam. Por um breve instante se sentiu reconciliado consigo mesmo. Entretanto seu eu puro e implacável lhe cochichou que se ele se mostrava assim tão fraternal para com a secretária e para com os outros empregados da fábrica era para com essa atitude comprar a cumplicidade, a boa vontade e a simpatia deles. Porque todos ou quase todos sabiam da sua situação de inferioridade naquela firma. Não passava dum manequim, dum autômato que assinava papéis preparados pelos que realmente entendiam do negócio, pelos que trabalhavam de verdade mas, que no entanto, em questões de ordenado, se achavam muito abaixo dele. Aquela gente sabia que ele ali era apenas o marido da filha do patrão.


Érico Veríssimo, in Olhai os lírios do campo