BOAS VINDAS

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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Amazônia, ecocídio anunciado



AMAZÔNIA, ECOCÍDIO ANUNCIADO

Frei Betto

"Não existe cana na Amazônia. Não temos conhecimento de nenhum projeto na região, nem recente nem antigo", afirmou Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura, dando eco ao boato oficial de que a cana se mantém distante da floresta (O Globo, 29-07-2007).
Dados oficiais revelam que o plantio de cana-de-açúcar avança sobre a Amazônia, apesar das negativas do governo federal. Projetos sucroalcooleiros instalados no Acre, Maranhão, Pará e Tocantins vivem momento de expansão acelerada. A região não só é fértil como também competitiva. Lula se equivocou ao afirmar que a cana "fica muito distante da Amazônia".
Segundo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab –, vinculada ao Ministério da Agricultura, a safra de cana na Amazônia Legal – que compreende estados como Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins –, aumentou de 17,6 milhões de toneladas para 19,3 milhões de toneladas no período 2007/2008.
Esse cultivo na Amazônia atrai, inclusive, investidores estrangeiros. O fundo de investimento Cooper Fund, de aposentadas estadunidenses, agora é sócio do grupo TG Agro Industrial/Costa Pinto, que produz álcool em Aldeias Altas, no Maranhão. No município de Campestre do Maranhão, o empresário Celso Izar, da Maity Bioenergia, negocia com investidores estrangeiros quatro projetos, cada um orçado em US$ 130 milhões, para produzir 1,2 milhão de toneladas de cana. A empresa produz atualmente um milhão de toneladas.
O Greenpeace acredita que o governo não tem condições de fazer valer a proibição do plantio de cana na Amazônia.
Ainda que haja leis proibitivas, como o governo pretende fiscalizar? Não basta proibir, é preciso inibir o plantio. Seria bem mais eficiente se o governo levasse a efeito o que cogitou o presidente Lula: fechar a torneira dos bancos públicos aos investidores e parar de liberar financiamentos. Só assim seria possível coibir novos projetos.
Outro problema grave na região amazônica é a extração ilegal de madeira nobre: ipê, cedro, freijó, angelim, jatobá. A cada dia, 3.500 caminhões circulam no interior da floresta, carregando madeira ilegal. Com a escassez no mundo, o preço do metro cúbico da madeira retirada da Amazônia é pago, pelos madeireiros aos proprietários da área, em média R$ 25 por metro cúbico. Depois, eles serram e exportam em pranchas ou blocos quadrados.
Na Europa, a mesma madeira é vendida pelos comerciantes locais aos fabricantes de móveis ou consumidores comuns a um preço equivalente a R$ 3.200 o metro cúbico. Uma diferença de 1.280%!! O Brasil é o segundo maior exportador de madeira do mundo, atrás da Indonésia.
Nos últimos 37 anos, desde que a ditadura acionou a corrida para a Amazônia, foram desmatados 70 milhões de hectares, dos quais 78% são ocupados por 80 milhões de cabeças de gado. No entanto, pela madeira exportada o Brasil amealhou apenas US$ 2,8 bilhões.
Menos do que um ano de exportações da Embraer, fabricante de aviões.
Pecuaristas desmatam para abrir pasto. Basta conferir. Os maiores produtores de carne estão exatamente nos municípios paraenses onde há mais desmatamento: São Félix do Xingu, Conceição do Araguaia, Marabá, Redenção, Cumaru do Norte, Ourilândia e Palestina do Pará. Detalhe: 62% dos casos de trabalho escravo ocorrem em fazendas de pecuária.
Grandes empresas, que possuem vastas extensões de terra na Amazônia legal, desmatam para plantar eucalipto e transformá-lo em carvão vegetal destinado às suas siderúrgicas na região. Põem abaixo a floresta tropical mais rica em biodiversidade do mundo e implantam o monocultivo de eucalipto, sem nenhuma diversidade vegetal, e o transformam em carvão, que aumenta o aquecimento global. Enquanto as empresas se agigantam, a nação fica com o ônus da degradação ambiental.
A Amazônia é vítima de um ecocídio em função da ganância do capital. Se a sociedade não pressionar e o governo não agir, no futuro haverá ali um novo Saara, com graves conseqüências para a sobrevivência da humanidade e da Terra.

(http://www.amazonia.org.br/opiniao/artigo_detail.cfm?id=261438, acessado em 12/02/2008)

domingo, 3 de agosto de 2014

Os domingos



Os domingos



          O domingo foi para mim, na infância e na juventude, a prova semanal da existência de Deus. Maior que os outros dias, começava já no sábado, quando eu ia dormir cedo para aproveitar um sono cheio de expectativa. Ao me levantar, abria logo a janela e contemplava o céu sempre de um azul majestoso. À hora do almoço, vinham seus cheiros e paladares. A ida ao cinema determinava a linha divisória entre o cotidiano e a fantasia. Depois, caminhar na rua principal, o sorvete e a sinuca. O resto da semana não passava de uma cansativa espera em que o sentimento mais marcante era o ódio às segundas-feiras. Assim foi até que um dia, já enfrentando os problemas da vida, concluí dramático:
              O domingo é uma ilusão.
              Foi a mais triste constatação da minha juventude. Outros domingos viriam. Já casado, decidi dar uma folga à mulher, almoçando em restaurante nesses dias. Ideia tão boa que ocorreu a milhões ao mesmo tempo. Só a escolha do lugar já era um prazer, embora nem sempre se chegasse a um fácil acordo. A seleção não se limitava à quantidade dos pratos. Onde há boa comida, a fila de espera vai até a esquina, o que tira a paciência de qualquer um. Os melhores e os mais baratos nisso se igualam: no mínimo uma hora de tortura. Um domingo, afinal, encontramos um restaurante vazio. Quando íamos embora, o proprietário veio nos agradecer. Disse que o restaurante esteve fechado por trinta dias.
              Luto? Perguntei curioso.
              Acusaram-nos de falta de higiene. Maldade. Insetos existem em toda parte, não?
              Resolvemos trocar os simples almoços por pequenas viagens dominicais. Por que não pegar o carro de manhã bem cedo e voltar à noite? Assim foi. É certo que demoramos algumas horas para chegar à praia, mas conservamos o bom humor. Com aquele calor, não conseguimos encontrar uma única cerveja gelada nos bares. Aconselharam-nos a procurar nos restaurantes. Mas em 30 quilômetros de praia não tivemos sorte e o pior é que o contato com a natureza ativa na gente uma fome enorme.
              A volta foi difícil. Em três horas chegamos a São Paulo.
              O domingo continua sendo uma ilusão – comentei com minha mulher. Que tal uma pizza?



(Marcos Rey, Veja, outubro. 1995. Adaptado)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Balõezinhos



Balõezinhos



Na feira-livre do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
“O melhor divertimento para as crianças!”
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.

No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.

Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.

Os meninos pobres não veem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.

Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única
[mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.

O vendedor infatigável apregoa:
“O melhor divertimento para as crianças!”
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo
[inamovível de desejo e espanto.


                                                                                                           Manuel Bandeira

domingo, 15 de junho de 2014

O cântico da Terra



      O cântico da Terra



Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranquilo dormirás.
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.

(Cora Coralina)