BOAS VINDAS

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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Cada um



Cada um


Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

 (Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sou como um livro



“Sou como um livro.


Há quem me interprete pela capa.
Há quem me ame apenas por ela.
Há quem viaje em mim.
Há quem viaje comigo.
Há quem não me entende.
Há quem nunca tentou.
Há quem sempre quis ler-me.
Há quem nunca se interessou.
Há quem leu e não gostou.
Há quem leu e se apaixonou.
Há quem apenas busca em mim palavras de consolo.
Há quem só perceba teoria e objetividade.
Mas, tal como um livro, sempre trago algo de bom em mim"


(A. D.)

domingo, 29 de setembro de 2013

As sem-razões do amor

As sem-razões do amor


Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Comprar revista




COMPRAR REVISTA




Parou, hesitante; em frente à banca de jornais. Examinou as capas das revistas, uma por uma. Tirou do bolso o recorte, consultou-o. Não, não estava incluída na relação de títulos, levantada por ordem alfabética. Mas quem sabe havia relação suplementar, feita na véspera? Na dúvida, achou conveniente estudar a cara do jornaleiro. Era a mesma de sempre. Mas a talvez ocultasse alguma coisa, sob a aparência habitual. O jornaleiro olhou para ele, sem transmitir informação especial no olhar, além do reconhecimento do freguês.
Peço? Perguntou a si mesmo. Ou é melhor sondar a barra? 
Como vão indo as coisas?
Vão indo, meio paradas.
Não tem vendido muita revista?
O jornaleiro fitou-o, sério:
Nem todo o dia é dia de vender muita.
Eu sei, mais tem revista e revista ?
Lá isso é.
A lista está completa ?
Que lista?
Das revistas proibidas.
Ah, sim, o listão. O senhor queria que não estivesse completo?
Eu? Perguntei, apenas. Gosto de saber das coisas com certeza. Às vezes a gente pede uma revista que não tem mais, que não pode mais ter à venda, e...
Por isso que perguntei. Não quero grilo, entende?
Entendi.
Nem para o senhor nem para mim, é lógico.
Tá legal.
Além do mais, gosto de cumprir a lei. O senhor também não gosta?
Muito.
Sou assim. Sempre gostei. Cumpro a lei, cumpro o decreto, cumpro o regulamento, cumpro a portaria, cumpro tudo.
Eu também, e daí?
Daí, não estou vendo a revista que eu queria, e fico sem saber se posso querer, se a lei me autoriza a querer minha revista.
Bem, se não está no listão, eu tenho.
E por que não expõe?
Não posso expor tudo ao mesmo tempo. Tenho que mostrar as revistas esportivas, as de palavras cruzadas, as de cozinha, os fascículos de bichos e viagens, as leis de impacto... Como é que sobra lugar?
Compreendo. Mas não achando a revista exposta, receei que ela não pudesse mais circular.
Por quê? Tem muita mulher nua, colorida, página dupla?
Não.
Marmanjo nu, como está na moda?
Também não. De vez em quando publica umas fotos pequeninas, de cenas de filmes ou peças de teatro, com barrigas e pernas de fora. Me interessa é as notícias, é como vai o mundo, e o que se comenta sobre ele. Quero uma revista de ao atualidades.
Por que não disse logo?
Porque tem atualidade e atualidade, então não sei? Pode me vender o Time, ou também ele já foi proibido? Veja bem, não desejo comprometê-lo. E muito menos a mim, é evidente. Mas só quero o Time se o senhor garantir que posso levar ele para casa sem infringir a lei.



(Carlos Drummond de Andrade)