BOAS VINDAS

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domingo, 31 de julho de 2011

Declaração de amor - Clarice Lispector (Texto 6)


“Declaração de amor”




Esta é uma declaração de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá‑la numa linguagem de sentimento de alerteza e de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá‑la como gostava de estar montada num cavalo e guiá‑lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo de "túmulo do pensamento" alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou‑se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.

(LISPECTOR, Clarice.  A descoberta do mundo. Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, página 134‑5)


sábado, 30 de julho de 2011

Paradoxo do nosso tempo

O PARADOXO DO NOSSO TEMPO

Uma reflexão

Hoje temos edifícios mais altos,
mas pavios mais curtos...

Temos autoestradas mais largas,
mas pontos de vista mais estreitos...

Gastamos mais,
mas temos menos...

Compramos mais,
mas desfrutamos menos...

Temos casas maiores
e famílias menores...

Temos mais conhecimento
e menos poder de julgamento...

Temos mais medicina
e menos saúde...

Hoje bebemos demais,
fumamos demais,
gastamos de forma excessiva
e rimos de menos...

Dirigimos rápido demais
e nos irritamos facilmente...

Ficamos acordados até tarde
e acordamos cansados demais...

Multiplicamos nossas posses,
mas reduzimos nossos valores...

Falamos demais, amamos raramente
e odiamos com frequência...

Aprendemos a ganhar a vida,
mas não vivemos essa vida...

Fazemos coisas maiores,
mas não coisas melhores...

Limpamos o ar,
mas poluímos a alma...

Escrevemos mais,
mas aprendemos menos...
Planejamos mais,
mas realizamos menos...

Aprendemos a correr contra o tempo,
mas não a esperar com paciência...

Temos maiores rendimentos,
mas menos padrão moral...

Temos avanços na quantidade,
mas não na qualidade...

Esses são tempos de refeições rápidas
e digestão lenta..

De homens altos
e caráter baixo...

De lucros expressivos,
mas relacionamentos rasos...

Mais lazer,
mas menos diversão..

Maior variedade de tipos de comida,
mas menos nutrição...

São dias de viagens rápidas,
fraldas descartáveis,
moralidade também descartável
e pílulas que fazem tudo:
alegrar, aquietar, matar...

(Autor desconhecido)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O pretérito futuro do livro (texto 5)


O pretérito futuro do livro



A tecnologia está ao alcance de todos, mas ela
não substitui a leitura de um bom livro. (Fato)

         Quando Gutenberg transformou o manuscrito europeu num bloco uniforme e infinitamente reproduzível, pôs fim ao reinado da filosofia escolástica oral e estabeleceu a maneira de recuperar o mundo dos autores pagãos.
        À medida que a nova intensidade das palavras, consideradas objetos visuais, começava a substituir a antiga base oral, as palavras se convertiam em valores visuais com novo sentido “objetivo”. O mundo da ressonância e da profundidade em níveis distintos, que caracterizou as estruturas verbais e no qual se baseava a exegese das Sagradas Escrituras e do Livro da Natureza, foi subitamente silenciado pelo grande peso adquirido pelo visual. Novas formas de domínio visual substituíram a antiga ressonância, que tinha afinidades com a magia e a metamorfose.
        Evidentemente, a filosofia escolástica era uma forma de discurso que não convinha à nova era. Estava condenada, não por causa de seu conteúdo ou de seu significado, e sim por que era uma discussão insubstancial e episódica, que se ocupava de qualquer assunto em qualquer momento.
         Na comunicação entre amigos é natural interromper e introduzir observações em qualquer altura da conversação. Neste tipo de intercâmbio oral se propõem simultaneamente numerosas opiniões sobre qualquer tema.
      A especialização se desenvolveu com o advento da imprensa, pois o leitor individual, mediante um esforço solitário, pode deslizar com grande rapidez pelos amplos caminhos da impressão em série, sem necessidade da companhia nem dos comentários de pessoas que aprendem juntas ou que discutem com ele.
       Com o aparecimento do telégrafo e do telefone, do rádio e da televisão como serviços correntes, estabeleceram-se relações totalmente novas entre o objeto e sua representação. Na ciência e no romance, na arte e na política, a participação do público em todos os aspectos do processo social se converteu num fato indiscutível.
       No que concerne ao livro, a maneira e os meios de participação do leitor enquanto coautor e do público enquanto ator correspondem ao que foi a forma simbólica ou descontínua na poesia e na pintura, na música, na imprensa, no romance e no teatro.
       A imprensa tornou “obsoleta” a escrita, mas atualmente se escreve muito mais que antes da imprensa. O desuso não significou extinção, e sim a matriz necessária para a inovação; portanto, a escrita ganhou força em muitas formas novas, entre elas a mecanografia. E assim como a informação fornecida pelo livro impresso foi ultrapassada pela fotografia, pelo cinema e pela televisão, no livro se produziu um processo de hibridização constante com outras formas de imagem visual proporcionadas por inúmeras formas novas de arte. Em certo sentido, é possível falar do livro como parte de uma tecnologia de hardware ou “serviços de material”.
        Meu livro, A galáxia de Gutenberg, trata exaustivamente dessas questões. Por exemplo, a gramática “correta” começa com a palavra escrita. Ninguém cometeu jamais um erro gramatical numa cultura oral.
       Alexander Pope considerava que uma espessa névoa de tinta havia caído sobre toda consciência humana na época de Newton. O que Pope previa parece constituir, olhando retrospectivamente, um progresso considerável em relação ao mundo que, em sua opinião, se encontrava em dissolução. Na época da tecnologia avançada, em que será possível telefonar ao número de um livro com a mesma facilidade com que se telefona a um amigo, estão a nosso alcance formas de experiência literária totalmente novas. Nossa tarefa de homens cultos consiste em apressarmo-nos a enfrentar estas inovações.

(Marshall McLuhan – adaptado por Pimentel)

Janeiro de 1972
 
Vamos ler, meu povo! Ler significa descobrir,
renovar, evoluir, crescer: viver bem consigo e com os outros.
Ler é preciso: viver não é preciso.