BOAS VINDAS

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sábado, 30 de março de 2013

O otimista



O otimista




O Pessimista não conseguia fazer o Otimista se desesperar. Uma vez tinham tido uma conversa seriíssima sobre a condição humana, com o Pessimista tentando convencer o Otimista de que a existência era uma coisa absurda.
— Nós não somos nada. Somos seres insignificantes, num planeta sem importância, num Universo sem sentido!
— Certo — concordara o Otimista. — Mas fora isso...
Outra vez o Pessimista declarara que nada valia a pena porque em alguns bilhões de anos o Sol se expandiria e todo o sistema solar, inclusive a Terra, seria pulverizado. Ao que o Otimista retrucara:
— Você, então, não recomenda investir em imóveis?
Nem a situação do Brasil preocupava muito o Otimista.
— Sabe como é que nós vamos acabar? — disse, uma vez, o Pessimista. — Comendo rato. Caçando rato pra botar na mesa.
— Como? — perguntou o Otimista, interessado.
— Assado!
O Otimista ponderou esta informação. Depois quis saber:
— Com quê?
Não é que fosse um simples. É que sempre via o outro lado da questão. Gostava de dizer coisas como "tudo se arranjará" e "quando é noite aqui, é porque é dia em outro lugar". Era a sua maneira de ser prático e manter a boa disposição. Usava muito frases que começavam com "Por outro lado...".
— Nós não vamos desta para melhor — lamentava-se o Pessimista. — Não existe outra vida depois desta. É terrível.
— Por outro lado... — observava o Otimista — nós não precisamos nos preocupar com a transferência do domicílio eleitoral...
Certa vez, no bar onde se encontravam para o chope diário, o Pessimista começou a falar na possibilidade de uma guerra nuclear.
— Você aí, com essa cara alegre, e nós podemos muito bem estar a poucos minutos de uma guerra atômica.
— Será?
— Sabe quanto tempo levaria para o mundo inteiro ser destruído numa guerra nuclear? Meia hora.
O Otimista chamou o garçom e pediu:
— Outro chope.
— Meia hora, nada. Quinze minutos! — corrigiu-se o Pessimista.
O Otimista chamou o garçom de volta.
— Traz logo dois. E bota na conta.
Um dia o Pessimista entrou no bar agitadíssimo, entre apavorado e eufórico. Suas piores previsões tinham se confirmado.
— É ele!
— O quê?
—O Apocalipse!
— Você está brincando.
— Venham ver. A terra está se abrindo em fendas. Chove enxofre. É o fim dos tempos!
— Por outro lado... — começou o Otimista.
— Desta vez não tem outro lado! — berrou o Pessimista. — É o fim mesmo.
Saíram à rua e, de fato, era o fim. Tudo ruía. Labaredas subiam de rachaduras no chão. As pessoas corriam sem rumo, em pânico, ou então se ajoelhavam e pediam clemência a Deus. E no céu, por entre nuvens grossas e negras, surgiram os quatro cavaleiros do Apocalipse montando seus terríveis animais.
— Está vendo? — gritou o Pessimista para o Otimista, triunfante. — São os quatro cavaleiros do Apocalipse. O que é que você me diz agora?
O Otimista estava estudando atentamente os quatro cavalos que galopavam nas nuvens em direção à Terra conflagrada. Finalmente, tomou a decisão:
— Aposto na Peste e dou a tropa!


Luís Fernando Veríssimo



sexta-feira, 29 de março de 2013

Aviso importante


Aviso importante



O uso excessivo do telefone celular frita o seu cérebro como uma fornalha.
Não é verdade, mas espalha, espalha.


Invólucros


         Telefones celulares, agendas eletrônicas e computadores portáteis cada vez mais compactos, e portanto com teclas cada vez menores, pressupõem usuários com dedos finos. Se vale a teoria da seleção natural de Darwin, as pessoas com dedos grossos se tornarão obsoletas, não se adaptarão ao mundo da microtecnologia e logo desaparecerão. E os dedos finos dominarão a Terra. Há quem diga que, como os miniteclados impossibilitam a datilografia tradicional e, com o advento das calculadoras, os cinco dedos em cada mão perderam a sua outra utilidade prática, que era ajudar a contar até dez, os humanos do futuro nascerão só com três dedos em cada mão: o indicador para digitar (e para indicar, claro), o dedão opositor para poder segurar as coisas e o mindinho para limpar o ouvido.
Outra inevitável evolução humana será a pessoa já nascer com um dispositivo — talvez um dente adicional, cuneiforme, na frente — para desembrulhar CDs e outras coisas envoltas em celofane, como quase tudo hoje em dia. E fiquei pensando no enorme aperfeiçoamento que seria se as próprias pessoas viessem envoltas numa espécie de celofane em vez de pele. Imagine as vantagens que isto traria. No lugar de derme e epiderme, uma pele transparente que permitisse enxergar todos os nossos órgãos internos, tornando dispensáveis os raios X e outras formas de nos ver por dentro. Bastaria o paciente tirar a roupa para o médico olhar através da sua pele e dar o diagnóstico, sem precisar apalpar ou pedir exames.
Está certo, seríamos horrorosos. Em compensação, a pele transparente seria um grande equalizador social. "Beleza interior" adquiriria um novo sentido e ninguém seria muito mais bonito que ninguém, embora alguns pudessem ostentar um baço mais bem-acabado ou um intestino delgado mais estético, e o corpo de mulheres com pouca roupa ainda continuasse a receber elogios ("Que vesícula!"). Acabaria a inveja que as mulheres têm, uma da pele das outras, e a conseqüente necessidade de peelings, liftings, botox etc. E como todas as peles teriam a mesma cor — cor nenhuma —, estaria provado que somos todos iguais sob os nossos invólucros, e não existiria racismo.
Fica a sugestão, para quando nos redesenharem.


Luís Fernando Veríssimo


quinta-feira, 28 de março de 2013

Exigências da vida moderna



Exigências da vida moderna





Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo. Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina, previne infarto. Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem. O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente. E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia...
E não esqueça de escovar os dentes depois de comer. Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax. Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... na sua cama.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo um jornal... Tchau!
Viva a vida com bom humor!!!


Luís Fernando Veríssimo


quarta-feira, 27 de março de 2013

Prova falsa



Prova falsa

Sérgio Porto (o “Stanislaw Ponte Preta”)


Quem teve a ideia foi o padrinho da caçula - ele me conta. Trouxe o cachorro de presente e logo a família inteira se apaixonou pelo bicho. Ele até que não é contra isso de se ter um animalzinho em casa, desde que seja obediente e com um mínimo de educação.
— Mas o cachorro era um chato — desabafou.
Desses cachorrinhos de raça, cheio de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial, precisam de muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não bastasse, implicava com o dono da casa.
— Vivia de rabo abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha logo com aquele latido fininho e antipático de cachorro de francesa.
Ainda por cima era puxa-saco. Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o ministro, mas quando estão com o ministro ficam mais por baixo que tapete de porão. Quando cruzavam num corredor ou qualquer outra dependência da casa, o desgraçado rosnava ameaçador, mas quando a patroa estava perto abanava o rabinho, fingindo-se seu amigo.
— Quando eu reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava comigo, dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o "pobrezinho".
Num rápido balanço poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a manga de um paletó de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver um pé de sapato que arrastava para locais incríveis. A vida lá em sua casa estava se tornando insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por causa daquele bicho cretino. Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma choradeira das crianças e uma espinafração da mulher.
— Você é um desalmado — disse ela, uma vez.
Venceu a guerra fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho começou a fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio vício. Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior. Quatro ou cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi que fez em cima do vestido novo de sua mulher.
— Aí mandaram o cachorro embora? — perguntei.
— Mandaram. Mas eu fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que adora cachorros. Ele está levando um vidão em sua nova residência.
— Ué... mas você não o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?
— Problema da consciência — explicou: — O pipi não era dele.
E suspirou cheio de remorso.


Texto extraído do livro "Garoto Linha Dura", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 51.