BOAS VINDAS

Seja bem-vindo/a ao meu blog. Leia, pesquise, copie, aprenda, divirta-se; fique à vontade e tire proveito de sua estada aqui.

sábado, 9 de março de 2013

Cão! Cão! Cão!



CÃO! CÃO! CÃO!




           Abriu a porta e viu o amigo que há tanto não via. Estranhou apenas que ele, amigo, viesse acompanhado de um cão. Cão não muito grande, mas bastante forte, de raça indefinida, saltitante e com ar alegremente agressivo. Abriu a porta e cumprimentou o amigo, com toda efusão*: “Quanto tempo!” O cão aproveitou as saudações, se embarafustou* casa adentro e logo o barulho na cozinha demonstrava que ele tinha quebrado alguma coisa. O dono da casa encompridou um pouco as orelhas, o amigo visitante fez um ar de que a coisa não era com ele. Ora, veja você, a última vez que nos vimos foi... Não, foi depois, na... E você, casou também? O cão passou pela sala, o tempo passou pela conversa, o cão entrou pelo quarto e novo barulho de coisa quebrada. Houve um sorriso amarelo por parte do dono da casa, mas perfeita indiferença por parte do visitante. Quem morreu definitivamente foi o tio... Você se lembra dele? Lembro, ora, era o que mais... não? O cão saltou sobre um móvel, derrubou o abajur, logo trepou com as patas sujas no sofá (o tempo passando) e deixou lá as marcas digitais de sua animalidade. Os dois amigos, tensos*, agora preferiam não tomar conhecimento do dogue. E, por fim, o visitante se foi. Se despediu, efusivo* como chegara, e se foi. Se foi. Se foi. Mas ainda ia indo, quando o dono da casa perguntou: “Não vai levar o seu cão?” “Cão? Cão? Cão? Ah, não! Não é meu, não. Quando eu entrei, ele entrou naturalmente comigo e eu pensei que fosse seu. Não é seu, não?”





Millôr Fernandes – Literatura Comentada. São Paulo, Abril/Educação, 1980.



Um comentário: