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terça-feira, 26 de março de 2013

Cornita



Cornita

Luís Fernando Veríssimo

Pai, o que é cornita?
Como é que se escreve?
Ce, o, erre, ene, i, te, a.
O pai pensou um pouco. Não podia dizer que não sabia. O garo­to há muito descobrira que o pai não era o homem mais forte do mundo. Precisava mostrar que, pelo menos, não era dos mais burros. Perguntou como é que a palavra estava usada.
Aqui diz, “a cornita da igreja...” - respondeu o garoto.
Ah, esse tipo de cornita. É um ornamento, na forma de corno, que fica do lado do altar.
 Pra que que serve?
Pra, ahn, nada. É um símbolo.
Ah.
Pai, usei “cornita” numa redação e a professora disse que a palavra não existe.
O quê? Mas que professora é essa?
Ela diz que nunca ouviu falar.
Pois diga para ela que “cornita”, embora não faça mais parte da arquitetura canônica, era muito usada nas igrejas medievais.
Tá.
Pai, a professora continua dizendo que “cornita” não existe. E diz que também não se diz “arquitetura canônica”.
Preciso ter uma conversa com essa professora. Essa edu­cação de hoje...
Não quero discutir com a senhora. Mas também não quero ver meu filho duvidando do próprio pai. Para começar, minha senhora, aqui está o livro que meu filho estava lendo. E aqui está a palavra. “Cornita”.
Deixe eu ver. Obviamente, era para ser “cornija”. É um erro de imprensa.
O quê?
Um erro de revisão. “Cornija”. Ornamentação muito usada na arquitetura antiga. “Cornita” não existe.
Pai, vamos pra casa... .
Um momentinho. Um momentinho! Claro que eu sei o que é “cornija”. Mas existem as duas palavras. “Cornija” e “cornita”. Duas coisas completamente diferentes.
Então me mostre “cornita” no dicionário.
Ora, no dicionário. E a senhora ainda confia nos nossos dicionários?
Pai, vamos embora...
O que é isto, pai?
Um pequeno tratado que fiz para a sua professora, aquela mula, ler. Dezessete páginas. Pouca coisa. Nele, traço desde a origem etimológica da palavra “cornita”, no sânscrito, até a sua sim­bologia no ritual da Igreja antes do concílio de Trento, incluindo o número de vezes em que o termo aparece na obra de Vouchard de Mesquieu sobre a arquitetura canônica. E sublinhei “arquitetura canônica”, para a mula aprender a jamais desmentir um pai.
Certo, pai.
Pai....
O que é?
A professora leu o seu tratado.
E então?
Mandou pedir desculpas. Diz que o senhor é um homem muito erudito.
Erudito.
Erudito. Mandou pedir desculpas. A burra era ela.
Está bem, meu filho. Pelo menos agora ela sabe com quem está tratando.
Valera a pena. Valera até as noites perdidas inventando os dados do tratado. Sabia que acabaria convencendo a mulher com um ataque maciço de erudição, mesmo falsa. Vouchard de Mesquieu. Aquele fora o golpe de mestre. Vouchard de Mesquieu. Perdera uma hora só para encontrar o nome certo. Mas estava redimido.

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