BOAS VINDAS

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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Urubus e sabiás

Rubem Alves


Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
— Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente...
— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...

MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá.


O texto acima foi extraído do livro "Estórias de quem gosta de ensinar —

O fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São Paulo, 1995, pág. 81.


sábado, 26 de agosto de 2017



Lição de sabedoria


Um cientista muito preocupado com os problemas do mundo passava dias em seu laboratório, tentando encontrar meios de minorá-los.
Certo dia, seu filho de 7 anos de idade invadiu o seu santuário decidido a ajudá-lo. O cientista, nervoso pela interrupção, tentou fazer o filho brincar em outro lugar. Vendo que seria impossível, procurou algo que pudesse distrair a criança. De repente, deparou-se com o mapa do mundo. Estava ali o que procurava. Recortou o mapa em vários pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva, entregou ao filho dizendo:
— Você gosta de quebra-cabeça? Então vou lhe dar o mundo para consertar. Aqui está ele todo quebrado. Veja se consegue consertá-lo bem direitinho. Mas faça tudo sozinho.
Pelos seus cálculos, a criança levaria dias para recompor o mapa. Passadas algumas horas, ouviu o filho chamando-o calmamente. A princípio, o pai não deu crédito às palavras do filho. Seria impossível na sua idade conseguir recompor um mapa que jamais havia visto.
Relutante, o cientista levantou os olhos de suas anotações, certo de que veria um trabalho digno de uma criança.
Para sua surpresa, o mapa estava completo. Todos os pedaços haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível?
Como o menino havia sido capaz?
— Você não sabia como era o mundo, meu filho, como conseguiu?
— Pai, eu não sabia como era o mundo, mas, quando você tirou o papel da revista para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura de um homem. Quando você me deu o mundo para consertar, eu tentei, mas não consegui. Foi aí que me lembrei do homem, virei os recortes e comecei a consertar o homem que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e vi que havia consertado o mundo!



Autor anônimo. Mensagem que circulou por
e-mail em fev./2004 (com adaptações).


domingo, 29 de janeiro de 2017

Brasileiro: Cidadão?

Brasileiro: Cidadão?


A igualdade na sociedade brasileira tem sido uma verdadeira obsessão para os atuais cientistas da antropologia social brasileira.
A igualdade, como valor político ou como ideal social nos leva à discussão não só da democracia como estilo de vida ou cultura, mas, sobretudo da cultura da democracia.
Quem é o cidadão em nosso país? Confesso que esta indagação me traz um conjunto de imagens perturbadoras.
Ao pensar em cidadão e em cidadania não me vem à mente a imagem de uma pessoa que segue tranquilamente as regras da lei. Penso em uma letra antiga de uma música conhecida que fala do Zé da Silva, que não sabe a cor do dinheiro e do conforto. Penso também no papel social de João Ninguém que sou obrigado a desempenhar quando me vejo obrigado a resolver um problema num banco, na telefônica ou em qualquer outro órgão público.
De fato, de tanto ser e ver esse Zé da Silva, posso compor seu rosto e seu jeito. Ele provavelmente é de cor, magro, mal nutrido, veste-se mal, leva insegurança na voz: fala errado, fala de modo balbuciante, revelando falta de informação e leitura. Jamais reclama. Quando o faz é através de um quebra-quebra, reagindo exageradamente, de modo violento.
Vejo o rosto sofrido de milhões que vagam pelas filas de triagem dos hospitais públicos, querendo receber uma palavra de reconhecimento social e político. Uma palavra que diga que eles são parte de alguma coisa e que sua existência (sem o carro oficial), sem dinheiro no banco, sem diploma universitário) tem algum valor .

Roberto da Matta (1992)

com cortes e adaptações.