Urubus e sabiás
Rubem Alves
Tudo aconteceu numa
terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por
natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo
contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto
fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram
imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam
os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que
eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada
urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu
titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a
doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi
invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e
faziam serenatas para os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor
encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
— Onde estão os
documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque
nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por
escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma
para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente...
— Não, assim não
pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em
uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...
MORAL: Em terra de
urubus diplomados não se houve canto de sabiá.
O
texto acima foi extraído do livro "Estórias de quem gosta de ensinar —
O
fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São Paulo, 1995, pág. 81.
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