BOAS VINDAS

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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Eugênio



Eugênio



Atravessou o pátio interno da fábrica. Os grandes pavilhões de concreto pareciam estremecer ao ritmo das máquinas. Eugênio ouviu aquela pulsação surda que lhe sugeria o bater dum enorme coração subterrâneo. Ela lhe dava uma vaga angústia, causava-lhe um indefinível temor: dir-se-ia a aflição dum homem que sente no subsolo o agitar-se duma sub-humanidade que trabalha com silenciosos propósitos de destruição. O atroar das máquinas era um ruído ameaçador.
O escritório lhe pareceu mais frio e convencional que nos outros dias. Sentou-se à mesa, abriu uma das gavetas, remexeu nos papéis... Não encontrando os que procurava, chamou a secretária, uma rapariga magra de ar cansado.
- Boa tarde, D. Ilsa. Alguém me procurou?
- Não senhor, ninguém.
- Onde estão aquelas folhas que vão para o Ministério do Trabalho?
- Na gaveta do centro.
Tornou a abrir a gaveta e encontrou os papéis.
- Tem razão, cá estão eles.
Pô-los em cima da mesa, tomou da caneta.
- A senhora anda muito pálida e com jeito de cansada. Por que não tira umas férias?
Assinava os papéis automaticamente, sem revisá-los. Sentia agora um interesse fraternal pela secretária. A criatura tinha um jeito encolhido de passarito doente.
- E a dor nas costas. ainda não passou?
- Às vezes, quando me deito, ela vem.
- Deve ser da posição em que fica quando escreve à máquina. Precisa cuidar-se D. Ilsa.
A moça sorria, meio constrangida. Eugênio se perguntava a si mesmo por que era que de repente se fazia assim tão solícito, tão atencioso, como um irmão mais velho. Concluiu que era porque tinha pena da moça: pena de todos os que sofriam. Por um breve instante se sentiu reconciliado consigo mesmo. Entretanto seu eu puro e implacável lhe cochichou que se ele se mostrava assim tão fraternal para com a secretária e para com os outros empregados da fábrica era para com essa atitude comprar a cumplicidade, a boa vontade e a simpatia deles. Porque todos ou quase todos sabiam da sua situação de inferioridade naquela firma. Não passava dum manequim, dum autômato que assinava papéis preparados pelos que realmente entendiam do negócio, pelos que trabalhavam de verdade mas, que no entanto, em questões de ordenado, se achavam muito abaixo dele. Aquela gente sabia que ele ali era apenas o marido da filha do patrão.


Érico Veríssimo, in Olhai os lírios do campo


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