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terça-feira, 27 de agosto de 2013

O céu na gaveta



O céu na gaveta





Perdemos Plutão? A União Astronômica Internacional (UAI) expulsou-o da família de planetas, mas ele continua lá fora, gélido e silencioso como antes. Ciência é investigação, segundo um método, criatividade e arte.
Quando expurgou Plutão, a UAI não fez ciência: produziu uma definição, entre outras possíveis, com a finalidade de classificar e nomear. Nomear é um ato de poder. É um gesto de apropriação intelectual, com repercussões simbólicas. A UAI não descobriu nenhuma característica nova dos planetas nem ofereceu alguma teoria inovadora acerca do Sistema Solar. Ela optou por uma ordem simbólica, excluindo outras. Inicialmente, a hipótese aventada foi permitir a multiplicação de planetas. A consequência disso seria destruir a figuração popular de um sistema compacto, que aprendemos a reconhecer na infância e que nos conecta à vastidão do cosmo. Ao rejeitar essa destruição, a UAI estava dizendo que o céu deve caber na gaveta.
A solução encontrada é mais do que isso. O "novo" Sistema Solar apresenta-se como figuração de uma ordem perfeita. São quatro planetas interiores, pequenos e rochosos, separados de quatro planetas exteriores, grandes e gasosos, pela vasta faixa de fronteira de um cinturão de asteroides. A UAI pretendeu sublinhar a gênese comum do Sistema. Mas, na sua lancinante simetria, o modelo adotado tem propriedades estéticas que sugerem um arranjo divino.
Não encontrou acolhida a hipótese de conservar tudo como estava, pelo recurso de batizar de "planetas clássicos" os nove planetas tradicionais e fechar as portas da família aos intrusos. Essa solução não pareceu "científica" o suficiente, pois desafiava a lógica cartesiana: como justificar a condição planetária de Plutão, negando-a a astros "similares" recentemente descobertos?
A figuração do Sistema Solar tem, essencialmente, funções de divulgação e educação. A força sugestiva dos nomes mitológicos dos planetas alia-se a imagens poderosas, como os anéis saturnianos, para capturar a imaginação das crianças e conduzi-las ao labirinto de curiosidades no qual podem deparar com o discurso das ciências. O Sistema Solar deposto cumpria melhor essas funções.
Não perdemos Plutão. Perdemos um sistema que, além de compacto, apresentava-se como ordem imperfeita e sugeria um ponto de fuga para a complexidade. Esse ponto era Plutão.
O nono planeta, longínquo e minúsculo, com seu núcleo parecido com o de um cometa e sua órbita divergente, indagava a simetria do conjunto e desarmava os espíritos. Ele nos alertava para as limitações do modelo, como quem aponta uma frase inconclusa. Foi isso que perdemos.



(Demétrio Magnoli. Folha de S. Paulo, 31/08/2006)


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