BOAS VINDAS

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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A consulta


A consulta



─ Sua aparência é saudável, mas as aparências às vezes enganam. Vamos lá ver: Que é que o senhor sente?
─ O que eu sinto, doutor? Não sei dizer direito. É uma espécie de opressão, de angústia, de ansiedade...
─ E o senhor pensa que eu também não sinto? Isto é normal. Normalíssimo . Que mais?
─ Bem, doutor. Eu tenho insônias.
─ E eu não tenho, por acaso? Pergunte ao seu vizinho se não tem também.
─ Eu não me dou com meu vizinho.
─ É isto: não se dá com o vizinho. Eu também não me dou com o meu. Ninguém se dá com ninguém.
─ Mas não precisa perguntar: eu sei. Seu vizinho não consegue dormir. Ninguém consegue. Isto é normal.
─ Mas, doutor...
─ Eu sei: o senhor anda nervoso, excitado, angustiado... Diga-me: não sente medo? Um medo sem causa, sem nenhum motivo aparente, medo de qualquer coisa que o senhor não sabe o que é?
─ Realmente... Eu estava com vergonha de dizer, mas, desde que o senhor falou, é verdade: sinto, sim.
─ Ótimo! O senhor sente medo. Eu também sinto. Ótimo, torno a dizer. O senhor não tem nada, meu amigo. Está inteiramente são, uma vez que sente medo. Se não sentisse, aí sim, precisaríamos procurar as causas dessa anomalia. Talvez fosse grave.
─ Sabe, doutor? Ás vezes, tenho a impressão de que estou ficando neurótico.
─ Claro que está! E eu não estou? E o seu vizinho não está? E todo o mundo não está? E o senhor pensa que vai ficar de fora? Por quê? Mas reflita um pouco, meu caro. O senhor vive, eu vivo, toda a gente vive num mundo anormal, sádico, doente, sanguinário, onde a regra é a falta de regras, um mundo hediondo e tenebroso, onde o homem é cada vez mais – e como nunca foi – o lobo do próprio homem. Um mundo de guerras, de massacres, de hecatombes, alicerçado no ódio, na iniquidade e na violência. Acrescente a tudo isso a poluição atmosférica, a poluição sonora, a poluição moral, a degradação dos costumes, a falência dos serviços públicos, o colapso do trânsito, a morte da urbanidade, da cordialidade, da solidariedade humanas. O senhor sente angústia. É natural. O senhor tem medo. É normalíssimo. O senhor tem insônias. Como não tê-las? Meu caro cliente, vá tranquilo: o senhor não tem absolutamente nada. Passe bem. O próximo, por favor?

Luís Martins. Ciranda dos ventos. São Paulo, Moderna, s/d.

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