BOAS VINDAS

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Detalhes


“Detalhes”



      O velho porteiro do palácio chega em casa, trêmulo. Como faz sempre que tem baile no palácio, sua mulher o espera com café da manhã reforçado. Mas desta vez ele nem olha para a xícara fumegante, o bolo, a manteiga, as geleias. Vai direto à aguardente. Atira-se na sua poltrona perto do fogão e toma  um  longo  gole  da  bebida, pelo gargalo.
      — Helmuth, o que foi?
      — Espera, Helga. Deixe eu me controlar primeiro.
      Toma outro gole de aguardente.
      — Conta, homem! O que houve com você? Aconteceu alguma coisa no baile?
      — Co-começou tudo bem. As pessoas chegando, todo mundo de gala, todos com convite, tudo direitinho. Sempre tem, claro, o filhinho de papai sem convite que quer me levar na conversa, mas já estou acostumado. Comigo não tem conversa. De repente, chega a maior carruagem que eu já vi. Enorme.  E toda de ouro.  Puxada por três parelhas de cavalos brancos. Cavalões!
      Elefantes! De dentro da carruagem salta uma dona. Sozinha. Uma beleza. Eu me preparo para barrar a entrada dela porque mulher desacompanhada não entra em baile do palácio. Mas essa dona é tão bonita, tão, sei lá, radiante, que eu não digo nada e deixo ela entrar.
      — Bom, Helmuth. Até aí...
      — Espera. O baile continua. Tudo normal. Às vezes rola um bêbado pela escadaria, mas nada de mais. E então bate a meia-noite. Há um rebuliço na porta do palácio. Olho para trás e vejo uma mulher maltrapilha que desce pela escadaria, correndo. Ela perde um sapato. E o príncipe atrás dela.
      — O príncipe?!
      — Ele mesmo.  E gritando para  mim  segurar  a  esfarrapada. “Segura! Segura!” Me preparo para segurá-la quando ouço  uma espécie de “vum” acompanhado de um clarão. Me viro e...
      — E o quê, meu Deus?
      O porteiro esvazia a garrafa com um último gole.
      — Você não vai acreditar.
      — Conta!
      — A tal carruagem. A de ouro. Tinha se transformado numa abóbora.
      — Numa o quê?!
      — Eu disse que você não ia acreditar.
      — Uma abóbora?
      — E os cavalos em ratos.
      — Helmuth...
      — Não tem mais aguardente?
      — Acho que você já bebeu demais por hoje.
      — Juro que não bebi nada!
      — Esse  trabalho  no  palácio  está acabando com você, Helmuth. Pede para ser transferido para o almoxarifado.


(De: Luís Fernando Veríssimo.
Revista “DOMINGO”, março de 1978)

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