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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Existe uma incapacidade geral para se redigir

EXISTE UMA INCAPACIDADE GERAL PARA SE REDIGIR? DE QUEM É A CULPA?




         — E aí, cara?
— Legal! Falou, brother!
         — É isso aí!
         — Sei lá, entende!

       A cada ano que passa, mais se pode ver a incapacidade dos candidatos de elaborar qualquer porcaria ao menos legível. Numa Faculdade do Rio de Janeiro, por exemplo, onde o tema da redação era “A ameaça nuclear e o futuro da humanidade”, um candidato usou toda a folha da prova para desenhar um grande cogumelo atômico em forma de ponto de interrogação.
         A essa situação de calamidade pública — pois não deixa de ser um caso de calamidade pública o fato de nem a elite cultural saber expressar-se na língua nacional — são atribuídas diversas causas. A nosso ver, o entendimento do problema requer uma análise um pouco menos mesquinha do que as comumente feitas por aí, que culpam os professores do ensino médio e estes, por sua vez, culpam os do ensino fundamental, que podem se defender, dizendo, por exemplo, que a culpa não é deles, não senhores: é da família brasileira, que não tem convivência com a chamada cultura brasileira. A família brasileira poderia culpar a sociedade, o Estado, e todos estariam defendidos.
         Não. Não se trata de culpar ninguém.
       Deve-se começar por uma colocação mais exata do problema. Em primeiro lugar não são somente os jovens que não sabem escrever. Seus pais, como se sairiam na mesma prova? Aí é que o problema fica difícil.
         A nosso ver, entre os muitos problemas que condicionam esta dita incapacidade de redigir qualquer coisa, estes são fundamentais:
        1º - A tradição cultural portuguesa que chegou até nós sempre considerou a escrita não como uma ferramenta de trabalho, mas muito mais como um meio de ostentação, como um verniz. Como se sabe, esta atitude nos levou a sérios equívocos. Houve um tempo que o padrão de beleza de um texto parece ter sido o seguinte: “Quanto mais elaborado, melhor”. Muitas produções da literatura (prosa) romântica seriam exemplo disso, mas o caso mais grave terá sido certamente o excesso verbalista do Parnasianismo, de efeitos nocivos no seio da sociedade cultural brasileira, e que perdurou até o Modernismo.
      2º - O brasileiro sempre foi estimulado a não escrever. Os colonizadores sempre escreveram por nós, isto porque sempre decidiram por nós usando a língua como instrumento de dominação, bobos que não eram. E ainda nem estamos levando em conta a censura, sempre vergonhosa, predatória. Há espaços de grandes silêncios na História do Brasil. Estes espaços coincidem com outros fenômenos que dizem respeito ao problema: cadeias cheias, repressões estudantis, repressões aos trabalhadores, enfim um conjunto de proibições capaz de montar e manter silêncios prolongados. Esses silêncios nunca estiveram sozinhos. Ao lado deles sempre foram efetivados discursos de propaganda do regime.  E como se sabe, talvez em razão de nosso passado colonialista, nunca faltaram brasileiros desprovidos de consciência crítica para endossar essas campanhas. Um exemplo? Só um? Por acaso já esqueceram dos daqueles vinte anos de regime repressor?
         3º - A linguagem coloquial foi digna de aparecer impressa alguma vez num compêndio escolar? Nunca! A não ser muito recentemente. E isso levou os  brasileiros a pensar que não poderiam jamais escrever como estavam falando. Em nossos dias, esse procedimento está sendo rompido pela grande maioria dos escritores brasileiros, e, pelos cronistas, que surgem com os jornais diários.
         4º - Como se não bastasse tudo isso, somos ainda um País de muitos analfabetos. O mais grave é que muitos deles ocupam cargos públicos de certa influência e, assim procedendo, dão mostras públicas de que não é preciso saber usar a língua falada ou escrita, para ser bem sucedido. Pelo contrário: esses períodos de silêncio em nossa História nos legaram um festival de besteiras interminável. Apesar de a gente estar acostumado a rir desses festivais de nossas “otoridade”, o caso é bem mais grave. Por detrás dessa incapacidade de falar e de escrever (e de ouvir e de entender também, é claro) sempre se ocultou outro tipo de insuficiência: a incapacidade administrativa, a falta de tato político, a ausência de um mínimo de conhecimento da cultura do país, de sua história, de sua terra, de sua gente. E o Brasil é um país que não lê. E quem não lê, como diz aquele significativo dístico de uma editora, “mal fala, mal ouve, mal vê.” Já disse um pensador: “O homem é aquilo que lê.”  Mas quem não lê? O povo? Sim, o povo nunca leu nada. Não dá tempo. Tem que ganhar a vida, não tem lazer. Mas quem não lê no Brasil? Ora, consideradas as proporções do país, “ninguém lê”. Nem a elite cultural, nem as classes dirigentes. Do contrário, como a explicar que a média de tiragem de alguns jornais de circulação esteja de cem mil exemplares aproximadamente? Que a edição média de um livro seja menos de três mil exemplares? Faz mais de vinte anos que a tiragem média de um determinado livro continua a mesma, isto é: cada vez menos se lê no Brasil (considerando-se o crescimento constante da população).
         Levantamos esses problemas, achamos que fica mais fácil de entender o fracasso das redações. As insuficiências escolares, do ensino fundamental, do médio e da própria universidade, são apenas extensões e reproduções desses problemas, em sua grande maioria.
         Por isso, achamos que, neste fracasso, os jovens têm defesa. Condená-los por não saberem redigir adianta pouco para resolver o problema, mesmo porque a repressão e a condenação nunca se mostraram, em momento algum, como efeitos corretivos. Pelo contrário, quando usadas sempre resultaram em agravamento do problema que se queria sanar. Não foi assim com a nossa democracia? Aboliu-se uma democracia precária para construir uma outra melhor. Onde está essa outra?

(Pimentel, curioso e aprendiz da Língua Portuguesa)

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