BOAS VINDAS

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terça-feira, 19 de junho de 2012

Uma noite de cão


Uma noite de cão
(crônica)


Ramalho! Vá entrando. Eh? Que pacote é esse?
Não sente o cheiro? Passei  n' O Rei do Frango Assado. É o melhor que se faz em São Paulo. Eu não ia chegar de mãos abanando.
Ramalho, um amigo do Rio, ao passar por São Paulo sempre parecia em meu apartamento com grandes notícias e pequenos pacotes. Como chegava habitualmente tarde e faminto, comprava no caminho qualquer coisa para comer: pizza, quibe, bauru. No entanto, jamais era bem-vindo por mim e minha mulher devido à hora imprópria das visitas, quando já íamos dormir.
Virgínia Woolf não parava de balançar o rabo e de saltar sobre o Ramalho. Embora já quase o mordera  certa vez, aquela noite nossa encantadora dálmata deu de lhe fazer festa. Minha mulher levou o frango para a cozinha. Desembrulhando sobre a mesa, era uma tentação.
Sentamo-nos no living. Ramalho acomodou-se numa poltrona, de costas para a cozinha, a contar novidades sombrias do Rio.
Vivíamos tempos pesados, tensos. Suas informações eram verdadeiras bombas. Confidenciou:
Um dos sequestradores é meu amigo.
Levei um choque. E não era para menos. Virgínia entrava no living e postava-se elegantemente sob as patas dianteiras ao lado do Ramalho. Com o frango na boca. Isso mesmo: com o frango na boca. Olhei para minha mulher que deixou escapar um:
Meu Deus!
Vocês sabem de que falo, não? - perguntou, grave.
Se Ramalho olhasse para baixo veria a cadela segurando a peça entre os dentes certamente à espera de autorização para iniciar a ceia. Erguei-me, forçando o visitante a olhar para o alto.
Conversaria de pé. Sentindo a presença da dálmata na vizinhança, ele estendeu o braço e começou a acariciar-Ihe a cabeça. A centímetros da coxa esquerda do bípede assado... Pensei nas consequências. Se ele descobrisse onde estava o seu jantar; eu teria de me vestir; descer à garagem, toda lotada naquele horário, tirar o carro da vaga e sair pela madrugada à procura talvez dramática de outro frango. " - Não quer saber qual é o amigo nosso que está envolvido?
Puxei um pufe para bem perto do Ramalho. Diminuindo seu ângulo de visão, ele teria menos probabilidade de focar Virgínia. Já trabalhei na TV e entendo desses lances.
Claro que quero.
Ramalho recuou na poltrona, ficando na mesma linha que o cão. A cara consorte empalideceu.
Olhei para o teto.
Aquilo não é um inseto? - apontei.
Ramalho e ela olharam para cima. E a dálmata também, com aquele bruta frango na boca.
É apenas uma mancha - ele observou.
Detesto insetos andando pela casa.
O expediente deu resultado. Minha mulher aproveitou o momento e atraiu Virgínia para o corredor. Ouvi o cão rosnar. Não querendo entregar a presa, fugiu com ela para o terraço iluminado, em frente ao living. Vi Virgínia, perseguida, passar com o frango.
Gosto desse terraço - disse Ramalho levantando-se e encaminhando-se para as portas de vidro.
Num salto, apaguei a luz.
Ele fica mais bonito no escuro, observe.
Apesar da escuridão. vi a cachorra escondendo-se entre as floreiras.
Vamos ao frango - ele decidiu. - O cheirinho tomou conta do apartamento.
Primeiro sirvo um uísque.
Ouvimos ganidos que assustaram o Ramalho. Ele seguiu pelo corredor.
A cachorra deve ter se machucado.
Agarrei-lhe o braço.
Tome o uísque. Então um dos sequestradores é nosso amigo?
Minha mulher apareceu afinal com um sorriso. Para a cozinha!
Ramalho sentou-se diante do frango desossado. Só para ele!
 O Rei do Frango Assado está com tudo - disse Ramalho no final. - Este estava demais! - E generoso:
  Deixei um pedaço de peito pra cadela. Será que ela gosta?
  Sei lá!

Marcos Rey

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