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domingo, 17 de junho de 2012

A doença crônica do Brasil


A doença crônica do Brasil



Você recebe um convite para um jantar na casa de uma amiga, marcado para as 21 horas, e o que acontece? Se chegar pontualmente no horário estabelecido, é capaz de encontrar a anfitriã de bobes nos cabelos, se maquiando, enrolada num robe de chambre. Porque ficou estabelecido no Brasil que as pessoas devem chegar com um atraso “fashion” de uma, duas e até três horas para causar impacto. Sabe lá Deus quando esse costume pavoroso começou, mas fato é que festa aqui só começa depois das onze e, se você quiser realmente engrenar, tomar uns drinques e dançar, conte aí, no mínimo, que vai deixar o ambiente depois das duas da manhã, chegar em casa, tirar a maquiagem, pegar no sono e dormir às quatro, com sorte. O dia seguinte, se não estiver perdido, será esquecido.
Um amigo americano que veio ao Brasil a negócios ficou muito espantado porque os executivos marcaram um jantar para as 21h30. Afinal, se ninguém comer depressa, as pessoas só iriam dormir depois de meia-noite. “Como eu posso estar de pé no escritório às sete da manhã? E a que horas eles ficam com a família?”. Boas perguntas.
Porque, nos Estados Unidos, é muito comum fazer reservas num restaurante às seis, sete, oito da noite. Assim, todo mundo está em casa às dez, curte o aconchego do lar e ainda dorme num horário decente.
Num jantar badalado em casa de amigos, o homenageado da noite chegou duas horas depois do horário marcado pelos anfitriões e pôs a culpa no trânsito, sempre ele. As grandes capitais brasileiras, com seus inúmeros engarrafamentos, não comportam mais essas desculpas esfarrapadas. Para honrar um compromisso, qualquer pessoa deve sair de casa com 45 minutos, uma hora de antecedência.
No último sábado, peguei a ponte aérea de São Paulo para o Rio ao lado de um empresário inglês que veio ao país para a Rio+20. Ele comentou como estava feliz de estar pela primeira vez no Brasil, mas depois começaram as perguntas. A primeira: por que o aeroporto internacional do Rio estava em escombros. “Escombros?”, perguntei eu, espantado. “Talvez seus olhos estejam habituados”, respondeu o inglês.
Segunda pergunta: por que os celulares não pegam em São Paulo? De fato, as tarifas de telefonia no Brasil estão entre as mais caras do mundo, e o serviço é pífio, frequentemente entramos em “zonas cegas” sem sinal e a transmissão de dado é lenta, lentíssima. É como se estivéssemos na idade da pedra lascada das telecomunicações, o que não se justifica ante a conta salgadíssima que chega todo fim de mês em casa.
Quando um gringo resolve denunciar internacionalmente os atrasos nas obras dos aeroportos e dos estádios da Copa — que acontece em 2014, ou seja, depois de amanhã —, a grita aqui é geral. Rebatemos, ofendidos, que ele procure criticar os problemas em seu próprio país. Não gostamos quando nos esfregam esse atraso crônico na cara, como adolescentes rebeldes que reclamam dos pais ao levar a bronca pelo dever de casa mal feito. O que interessa num evento mundial é o compromisso assinado em contrato, que definiu prazos, andamentos e protocolos. E como explicar que há gente que tira vantagem desse atraso para realizar as obras a toque de caixa, com os previsíveis estouros de orçamento e acabamentos porcos?
Uma conferência da Rio+20, neste fim de semana, começou com uma hora e meia de atraso porque os convidados resolveram beliscar os petiscos do coquetel e um palestrante chegou mais tarde, alegando que estava detido pelo trânsito. Vi muita gente dando as costas e indo embora.
Em situações como essas, fica evidente que o Brasil, pujança econômica da vez, continua a desrespeitar algumas normas do mundo civilizado, em especial o apreço pelo tempo do outro. Porque chegar atrasado significa isso: um desprezo completo pela agenda e pelos compromissos alheios. Só estaremos realmente prontos para brilhar no cenário internacional se ajustarmos nossos relógios. E talvez o trabalho comece de uma maneira bem simples, dentro de casa e no convívio com os amigos.

 
(Crônica publicada hoje, 17.06.12, na revista Época, por Bruno Astuto)


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