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segunda-feira, 25 de junho de 2012

A primeira cartilha


A primeira cartilha

Crônica


Há coisas que a gente não esquece: a primeira namorada, a primeira professora, a primeira cartilha. Minha introdução às letras foi feita através de um livrinho chamado Queres ler? (assim mesmo, com ponto de interrogação). Era um clássico, embora clássico, embora tivesse alguns problemas, em primeiro lugar, tratava-se de um livro uruguaio, traduzido (o que era, e é um vexame, cartilhas, pelo menos, deveriam ser nacionais). Em segundo lugar, era uma obra aberta e indiscreta, trazia introduções pormenorizadas sobre a maneira pela qual os professores deveriam usar o livro com os alunos. Quer dizer: era, também, para os professores, uma cartilha, o que, se não chegava a solapar a imagem dos mestres, pelo menos os colocava em relativo pé de igualdade com os alunos (pé de igualdade, não; menos. Pé de página, e em letras bem pequenas). Isto talvez fosse benéfico, porque um estímulo tínhamos para aprender a ler: ansiávamos pra descobrir os segredos dos mestres.
Em terceiro lugar – mais isto era grave –, a cartilha começa com a palavra uva. Com a palavra só, não havia uma ilustração mostrando um grande, suculento, lascivo cacho de uvas (estrangeiras, naturalmente). Era um suplicio olhar aquelas uvas (aliás, à época, uva designava, e não por acaso, uma dona boa). Principalmente para os alunos mais pobres cujo único contato com o fruto da videira era exatamente através daquela figura.
Bem, mas não é isto o que importa. O que importa é que aquele era o nosso primeiro livro, o livro que carregávamos com orgulho em nossa pasta. E o que importa, também é que esse livro, o livro que mais esqueceríamos, tinha um nome provocadoramente amável: ele não ordenava, ele perguntava; ele não só perguntava, ele convidava. E não sei de que outra maneira se possa introduzir uma criança à leitura, se não através de um sedutor convite. Porque ler é que um ato da vontade. Diante da TV se pode ficar passivo, absorvendo imagem e sons. A TV não indaga, ela se impõe. E pode se impor por causa da força de uma tecnologia que é absolutamente totalitária: do universo eletrônico no qual vivemos ninguém escapa.
Ler, não Ler exige esforço, No mundo da leitura só se entra pagando ingresso. Decodificar as letras transformá-las em imagens é uma arte, como é uma arte tocar um instrumento musical. Mas que entram no mundo da leitura, aqueles que a eles são bem conduzidos, estes encontram nos livros um lar, uma pátria, o território dos sonhos e da emoções.
Queres ler? – pergunto a meu filho, e espero que a resposta dele seja afirmativa. Para que ele possa provar a uva da qual é feito o doce vinho da fantasia arrebatadora.

Moacyr Scliar 


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