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sábado, 17 de setembro de 2011

Como anda o mundo


COMO ANDA O MUNDO


Diálogo entre pai e filho

(Correio Braziliense, 1º de outubro de 2004)

― Pai, por que o nosso país invadiu o Iraque? ― perguntou Billy, de 8 anos.
― Lá tinha armas de destruição em massa.
― Mas a TV disse que os inspetores não acharam nada.
― Os iraquianos esconderam. E nosso governo sabe que invasões funcionam mais que inspeções.
― Se tinham tais armas, por que não usaram quando atacamos?
― Para que ninguém soubesse que eles têm as armas. Preferem morrer a defender-se.
― Como um povo pode preferir morrer a defender-se?
― A cultura deles é diferente. Preferem morrer e ir logo para junto de Alá. E lembre-se que Saddam Hussein era um cruel ditador.
― Como cruel?
― Torturava e matava gente.
― Como na China comunista?
― A China é diferente, seu povo trabalha para as nossas empresas, reduzindo os custos da produção e aumentando os nossos lucros.
― Mas a China não é comunista?
― É.
― E os comunistas não são maus?
― Só os comunistas da Coreia do Norte e de Cuba, que prendem e torturam gente.
― Como fazemos em Bagdá?
― É diferente. Nós prendemos e torturamos em defesa dos direitos humanos e da liberdade.
― Foi o que fizemos no Afeganistão?
― Lá foi por causa do Osama bin Laden.
― Ele é afegão?
― Não, é saudita.
― Como 15 dos 19 sequestradores suicidas do 11 de setembro?
― Sim.
― E por que não invadimos a Arábia Saudita?
― Porque o governo de lá é nosso amigo.
― Como era Saddam em 1980, ao combater o Irã?
― Sim, quem combate o nosso inimigo é nosso amigo.
― E por que temos inimigos?
― Porque muitos povos têm inveja de nosso progresso.
― Mas, pai, inveja não é problema do invejado.
― O invejoso de hoje pode virar o terrorista de amanhã.
― O que é um terrorista?
― É uma pessoa que não pensa como nós pensamos.
― Mas não defendemos a liberdade de opinião?
― Só a que não vai contra a nossa opinião.
― O Iraque nos atacou?
― Não, mas agora fazemos guerras preventivas, evitamos o mal antes que a semente dele caia na terra.
― Nós é que produzimos as armas empregadas nas guerras?
― Boa parte delas, pois a guerra favorece a nossa economia.
― Quer dizer que ficamos ricos à custa da morte de outros povos?
― É a lógica do mercado.
― Mas, pai, uma vida humana não vale mais que um míssil? Não foi isso que você me ensinou?
― Teoricamente sim, mas na prática não é assim. Para o mercado, só tem valor a vida que está dentro dele, a do consumidor.
― E as outras vidas?
― Filho, nada em excesso é bom. Muito vento causa furacão; muita água, enchente; muitas bocas, fome.
― Quer dizer que nós matamos como Saddam e o Talibã matavam?
― Nós matamos a favor da liberdade; eles, contra.
― Inclusive crianças como eu?
― Você não é como elas. Não temos culpa de os nossos inimigos terem filhos.
― Deus aprova isso?
― Sim, nosso presidente fala diretamente com Deus.
― Como assim?
― Ele escuta a voz divina em sua cabeça. Deus o elegeu para fazer a guerra do bem contra o mal.
― Mas Deus e Alá não são a mesma pessoa?
― Billy, chega de perguntas. E, por favor, não confunda o nosso Deus com o deles!


FREI BETTO, escritor, é autor de
Alucinado som de tuba (Ática), entre outros livros

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