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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O consenso da miséria

O consenso da miséria



Os sequestradores jamais imaginaram que acabariam participando da política industrial brasileira e que ajudariam nos números da balança comercial, registro da diferença entre importação e exportação.
Na semana passada, essa ajuda involuntária foi especialmente notável. Por rádio, jornais e TV, em horário nobre, foi divulgado o conselho de sequestradores a uma de suas vítimas, a atriz Vanessa Bueno, sequestrada no Rio. Ela foi aconselhada a não usar automóvel importado. "Vou mudar de carro", jurou Vanessa.
Há muito tempo, essa cautela, especialmente em São Paulo, vem provocando estragos nas vendas de importados e favorecendo a aquisição de modelos nacionais. Estão em alta os carros sem porta-malas fechados (esse espaço do veículo é usado para conduzir os reféns). Além de interferirem na política de importações, os sequestradores já influenciam até mesmo na preferência do design automobilístico.
Andar de automóvel hoje, seja qual for a marca, implica risco. Ivan Paulo dos Santos é um balconista, proprietário de um automóvel Gol fabricado em 1991. Na terça-feira passada, ele levou a mulher, que, grávida, necessitava de um atendimento urgente, a um pronto-socorro em São Paulo. Parou, às pressas, em frente ao hospital. Voltou correndo para estacionar melhor e, enquanto a mulher, aflita, esperava o médico, ele foi levado.
Por atingir diretamente a elite, habitualmente alheia às questões sociais, a onda de sequestros é um dos ingredientes para a percepção da urgência de desenvolver políticas que reduzam a marginalidade.
O ambiente de desagregação, no qual a violência é apenas a febre que revela a infecção, é o cenário em que se monta o mais importante movimento de combate à miséria.
Assim como, no passado, economistas e políticos tiveram de chegar a um consenso sobre a importância da disciplina dos gastos públicos para combater a inflação -pois não havia mágicas a fazer-, os formuladores de políticas públicas dos mais diversos partidos e tendências estão falando a mesma língua.
É gente que, em maior ou menor grau, vai inspirar ações nos âmbitos federal, estadual e municipal. Estão preocupados em apontar caminhos para o enfrentamento da violência e em nutrir capital humano apto a lidar não só com a sociedade da era do conhecimento mas também com a escassez de recursos.
O consenso era visível no auditório da Folha, na semana passada, onde ocorreu, em dois dias, seminário sobre a miséria organizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada); essa entidade, vinculada ao governo, está na vanguarda de estudos sobre a pobreza no Brasil.
Estiveram presentes alguns dos mais destacados pensadores sobre o tema, assim como operadores de políticas sociais do governo e da oposição -pessoas de diferentes partidos, ideologias e níveis de governo. Na plateia, secretários estaduais e municipais, além de representantes de ONGs respeitadas dentro e fora do país.
As divergências eram detalhes. No essencial, todos concordaram que apenas crescimento econômico não gera riqueza social e que a melhor forma de distribuir renda é investir nas crianças e nos adolescentes. É consenso que dinheiro para a educação é investimento, a ser colhido na forma de trabalhadores mais produtivos e de uma economia mais dinâmica.
O dinheiro é, antes de tudo, malgasto; não chega ao pobre. É drenado em boa parte aos incluídos: as aposentadorias de funcionários públicos são um exemplo disso. Uma reforma social complexa é hoje tão urgente quanto uma reforma tributária ou política. Os programas de renda mínima (a bolsa-escola e a bolsa-alimentação, entre outros) são uma ponte para levar o dinheiro diretamente aos mais pobres.
Mas, se não houver uma porta de saída, ou seja, o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos, vão-se transformar numa esmola permanente. O recurso deve exigir do beneficiário uma contrapartida, como treinamento profissional, progresso escolar, cuidados com a saúde ou melhorias na comunidade.
Há uma superposição de programas, o que significa perda de dinheiro e de energia.
Ainda são pouco visíveis, mas surgem, aqui e ali, experiências no setor público que tentam, ao mesmo tempo, envolver diferentes atores e romper a fragmentação. É o caso do Projeto Alvorada, do governo federal, no qual se junta uma galeria de ministérios, acoplados a programas estaduais e municipais. Trabalham-se simultaneamente a promoção social e a promoção econômica.
Merece atenção o que acontece agora com os programas de renda mínima na cidade de São Paulo. Reúnem verbas municipais, estaduais e federais voltadas à melhoria do nível de escolaridade, à intervenção no espaço público e à profissionalização, sempre em combinação com associações civis. É o mesmo modelo que o governo do Rio, agora nas mãos do PT, pretende aplicar.
Essas experiências ainda estão no começo; seus resultados são, por enquanto, frágeis. Há inúmeros problemas de gestão (a demora em cadastramentos, por exemplo, faz que a cidade de São Paulo deixe de receber milhões de reais para a bolsa-escola) e de falta de capacitação de funcionários municipais, mas certamente elas são o paradigma da política social. Fora disso, é jogar dinheiro fora.
PS – Uma das ideias em discussão é criar uma espécie de mapa da mina das políticas sociais. Para isso, é preciso cadastrar todas as famílias que recebem algum benefício federal, estadual ou municipal. Com base nessas informações, torna-se possível medir até onde vai a superposição de programas. O objetivo é criar um cartão único para todos os recursos distribuídos, não restrito só aos federais. Talvez seja demais para a nossa classe política, mas essa é a proposta mais séria para quem está preocupado com a racionalidade dos recursos públicos.

De: Gilberto Dimenstein

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