BOAS VINDAS

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sábado, 15 de outubro de 2011

A estranha passageira


“A estranha passageira”



— O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de voo    e riu nervosinha, coitada.
Depois pediu que eu me sentasse ao seu lado,  pois  me  achava muito  calmo  e  isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade  de  ler  o  romance  policial  que  eu  comprara no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas ordens. Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que  segurava  desajeitadamente.  Gorda  como  era,  custou  a  se  encaixar  na  poltrona e arrumar todos  aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.
Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo  às minhas  custas,   a  zombar do  meu  embaraço  ante  as  perguntas  que  aquela  senhora me  fazia  aos  berros,  como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:
— Para que esse saquinho aí? —  foi a pergunta que fez, num tom de voz  que  parecia  que  ela estava no Rio e eu em São Paulo.
— É para a senhora usar em caso de necessidade — respondi baixinho. Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta,  mas  todos adivinharam qual foi,  porque  ela  arregalou  os  olhos e exclamou:
— Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?  Alguns passageiros riram, outros — por fineza — fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar.  Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos por todos os lados.
O comandante já esquentara os motores e aeronave estava parada,  esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os  olhos  e  lia  qualquer coisa. Logo veio a pergunta:
— Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só para ela?
Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era  de  emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.
Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do "show". Mesmo os que mais se divertiam com ele resolveram abrir jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.
Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janelinha para ver a paisagem) e gritou:
— Puxa vida!!!
Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:
— Olha lá embaixo!
Eu olhei. E ela acrescentou: — Como nós estamos voando alto, moço! Olha só o pessoal lá embaixo, até parece formiga!
Suspirei e lasquei:
— Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou voo.




De: Stanislaw Ponte Preta  (Livro das transportes.
 Ministério dos Transportes, SD, Rio de Janeiro, 1970)

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