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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O gosto do mal e o mau gosto



O gosto do mal e o mau gosto




                    Na sociedade tecnológica se desfaz a noção de espaço, pois, graças à rapidez das informações, o tempo real exerce tirania sobre o espaço real: o mundo está em cada local. Assumem relevo o imediatismo e a interatividade, em razão de que na civilização da pressa não há lugar para a meditação, para a vivência do hábito da leitura e da análise da realidade, para o aprofundamento de dúvidas existenciais.
                  O habitante do tempo, e não mais do espaço, vive o desenraizamento: está a todo o tempo em toda parte.  Como destinatário de completas informações sobre o acontecido a cada instante, não mais se permitem ao homem o silêncio, o recolhimento, a reflexão, a intimidade. Na época do Orkut e do You Tube se torna público o privado e ocorre a rápida obsolescência do up to date*. A sociedade torna-se histérica à procura do novo que satisfaça, sôfrega na procura de emoções que não sejam virtuais, por meios virtuais.
                  Dentro dessa atmosfera, as relações interpessoais fundam-se apenas na possibilidade de o outro satisfazer necessidades sensíveis. O outro se torna um objeto e logo cada  qual  vira  também objeto do outro, com perda do recíproco respeito. Este quadro moral levou a duas situações dramáticas: o gosto do mal e o mau gosto.
                  O gosto do mal consiste na busca crescente de registros na internet de filmes sobre sevícias, torturas e até assassinatos reais, efetivamente ocorridos, muitas vezes só para serem divulgados. O horror vira espetáculo. Hoje se multiplicam as filmagens ou fotografias com celular de cenas de brutalidade contra as pessoas, para puro e simples divertimento.
                  De outra parte, os meios de comunicação, na busca desenfreada de audiência, recorrem a programações que satisfaçam mais facilmente os instintos do telespectador. Os índices de audiência passam a ser a régua pela qual se faz o juízo positivo ou negativo de um programa televisivo. Rompem-se, na conquista de índices de popularidade, as fronteiras da ética. Instala-se o império do mau gosto. O gosto do mal e o mau gosto são igualmente sinais dos tempos, caracterizados pela decomposição dos valores da pessoa humana, portadora de dignidade só realizável se fixados limites intransponíveis de respeito a si próprio e ao próximo, de preservação da privacidade e de vivência da solidariedade  na  comunhão social. O grande desafio de hoje é de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por satisfazer necessidades sensíveis.



 (Miguel Reale Junior. O Estado de S.Paulo, A2 Espaço Aberto,
2 de fevereiro de 2008, com adaptações)

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