BOAS VINDAS

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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Sonhar para quê



[Sonhar para quê?]*



Nós dormimos em cima de nossos sonhos, Juvêncio costumava dizer a Marta, sua mulher.
Ao longo de uma vida de privações os dois haviam economizado centavo por centavo, assim chegando a mais de U$200 mil, que inicialmente estavam guardados num banco. Depois, por medo de falta de segurança levaram-nos para a pequena casa de madeira em que viviam.
E surgiu o problema: onde guardar uma quantia tão grande? A resposta óbvia era comprar um cofre, mas a isso ele se opunha. Em primeiro lugar porque custaria dinheiro; depois porque se constituiria em alvo fácil. Em caso de assalto, tudo o que os ladrões precisariam fazer seria levar o cofre. Discutiram várias hipóteses: um buraco no pátio, uma caixa no forro da casa. Locais problemáticos: ambos, idosos, esqueciam as coisas. Será que depois se lembrariam do esconderijo do dinheiro? Finalmente, Juvêncio decidiu: colocariam o dinheiro sob o colchão. Lugar clássico, mas, por isso mesmo, seguro: os ladrões simplesmente o descartariam pela obviedade. E assim os U$ 200 mil foram postos sob o velho colchão. Sobre ele dormiam, ou discutiam o que fazer.
Uma viagem à Itália, país natal de ambos, era a opção mais tentadora, mas trabalhosa. Além do mais, um dos dois sempre estava adoentado. E aí foram furtados. Uma noite, regressando da visita a um amigo, encontraram a casa arrombada. O ladrão tinha levado um liquidificador novo, mas isso era de menos: pálidos de medo, correram para o dormitório, e aí o choque e a amarga desilusão: o colchão havia sido afastado e os dólares haviam sumido. Ficaram arrasados. Suas almejadas viagens ficaram mais distantes.
Só conseguiram se recuperar com a ajuda do padre que convenceu-os argumentando que dinheiro é coisa secundária. Não estavam feridos e poderiam continuar sonhando. Não com viagens, mas em voltar a dançar tango, por exemplo. Ambos haviam sido excelentes bailarinos. Confortados, eles dedicaram-se, a partir de então, a recuperar sonhos. Já se viam em sonhos, dançando tango no teatro da cidade.
Chegaram a ir ao teatro para conhecer. Quando retornaram, de noite, constataram que a casa fora assaltada de novo. Desta vez, os ladrões haviam levado o colchão.


Moacyr Scliar
*Título meu


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