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sábado, 15 de setembro de 2012

Brasileiro, o homem do amanhã



Brasileiro, o homem do amanhã

(Paulo Mendes Campos)

Há, em nosso povo, duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo.   Brasileiro até demais.  Colunas da brasilidade, as duas colunas são: a capacidade de dar um jeito; a capacidade de adiar.
A primeira é, ainda, escassamente desconhecida, e nada compreendida, no exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.
Aquilo que Oscar Wilde e Mark Twain diziam apenas por humorismo (“Nunca se fazer amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã”), não é, no Brasil, uma deliberada norma de conduta, uma diretriz fundamental.  Não, é mais, é bem mais forte do que qualquer princípio da vontade: é um instinto inelutável, uma força espontânea da estranha e surpreendente raça brasileira.  Para o brasileiro, os atos fundamentais da existência são: nascimento, reprodução, procrastinação e morte (esta última, se possível, também adiada).
Adiamos em virtude de um verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com a mão, ao surgir, na nossa frente, um foco luminoso intenso.  A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage, de pronto, com as palavras: logo à tarde, só à noite, amanhã, segunda-feira; depois do Carnaval; no ano que vem.
Adiamos tudo: o bem e o mal, o bom e o mau, que não se confundem, mas, tantas vezes, se desemparelham.  Adiamos o trabalho, o encontro, o almoço, o telefonema, o dentista (o dentista nos adia), a conversa séria, o pagamento do imposto de renda, as férias, a reforma agrária, o seguro de vida, o exame médico, a visita de pêsames, o conserto do automóvel, o concerto de Beethoven, o túnel para Niterói, a festa de aniversário da criança, as relações com a China, tudo. Até o amor. Só a morte e a promissória são, mais ou menos, pontuais entre nós. Mesmo assim, há remédio para a promissória: o adiamento bi ou trimestral das reformas, uma instituição sacrossanta no Brasil.
Quanto à morte, não devem ser esquecidos dois poemas típicos do Romantismo: na “Canção do Exílio”, Gonçalves Dias roga a Deus não permitir que ele morra sem que volte para lá, isto é, para cá.  Já Álvares de Azevedo tem aquele poema famoso, cujo refrão é sintomaticamente brasileiro: “Se eu morresse amanhã...”.  Como se vê, nem os românticos aceitavam morrer hoje, postulando a Deus prazos mais confortáveis.
Sim, adiamos por força de um incoercível destino nacional, do mesmo modo que, por obra do fado, o francês poupa dinheiro, o inglês confia no Times, o português adora bacalhau, o alemão trabalha com furor disciplinado, o espanhol se excita com a morte, o japonês esconde o pensamento, o americano escolhe a gravata sempre mais colorida.
O brasileiro adia; logo, existe.
A divulgação dessa nossa capacidade autóctone para a incessante delonga transpõe as fronteiras e o Atlântico.  A verdade é que já está nos manuais.  Ainda há pouco, lendo um livro francês sobre o Brasil, incluído numa coleção quase didática de viagens, encontrei, no fim do volume, algumas informações essenciais sobre nós e a nossa terra.  Entre endereços de embaixadas e consulados, estatísticas, indicações culinárias, o autor intercalou o seguinte tópico:
DES MOTS:
Hier = ontem;
Aujourd’hui = hoje;
Demain = amanhã.
Le seul important est le dernier.
A única palavra importante é a última.
Ora, esse francês astuto agarrou-nos pela perna.  O resto eu adio para a semana que vem.


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