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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Quando nosso cérebro sai da linha de montagem


Quando nosso cérebro sai da linha de montagem



O que entendemos por “tempo livre”? Livre de quê? Livre do trabalho. De fato, por um longo tempo, esses dois momentos na vida foram mantidos completamente separados: a produção na fábrica e o consumo em casa.
Essa separação total reinava na velha sociedade industrial, quando 90% dos trabalhadores desenvolviam atividades físicas e repetitivas, como na linha de montagem. Hoje, porém, a ocupação virou algo tremendamente confuso. Isso porque pelo menos 60% dos trabalhadores – de porteiros a publicitários, de atores a cirurgiões – exercem profissões intelectuais, trabalham com a cabeça. Nessa cabeça dificilmente se consegue separar os pensamentos que giram em torno do trabalho dos que se ocupam da família, dos amigos e do divertimento.
Ao voltar para casa no final da jornada, o torneiro deixava sua ferramenta de trabalho – o torno – na fábrica e, portanto, não podia mais trabalhar até a manhã de segunda. Já hoje, a ferramenta principal com a qual operamos, seja no trabalho, seja no tempo livre, é nosso cérebro, que nos acompanha sempre. Por isso mesmo, não sabemos mais ao certo se estamos trabalhando, estudando ou nos divertindo. Por exemplo, quando um jornalista ou professor vão ao cinema, eles fazem isso por simples divertimento ou para enriquecer a própria cultura e exercer melhor sua profissão?
Essa confusão inevitável torna inúteis todos os velhos rituais administrativos e organizacionais inventados para separar, rigidamente, com guardas e cancelas, o dentro do fora, o trabalhar do divertir-se, o operar do aprender. No escritório, em casa, no bar, em nossa vida, dia após dia, encontramos esse amálgama de ação e reflexão.
As empresas que persistem em sua organização fordista – aquela com a linha de montagem idealizada por Henry Ford, em que cada operário faz apenas uma função – representam as células mais conservadoras de toda a sociedade. Pretendem estender hoje aos empregados e às gestões pós-industriais aqueles mesmos preceitos que as indústrias impuseram aos operários no passado. Não satisfeitos em espremer o trabalho entre regras obsoletas, ainda querem aplicá-las ao tempo livre, em que a família, a televisão e a agência de viagens nos agrupam em espécies de pelotões militares. Por isso, dentro em pouco, o cidadão será submetido a uma extensa relação de tarefas minuciosamente programadas, da palestra ao curso de inglês. Privado ao mesmo tempo do sorriso e do brinquedo, o menino já estará pronto para servir ao professor, ao pároco, ao chefe, acossado pela corrida de obstáculos da carreira, aterrorizado pelo medo de ficar para trás e de ser despedido. Não se trata de um medo infundado, porque a sociedade pós-industrial precisa de apenas poucos profissionais criativos e superespecializados. E não sabe o que fazer com a massa de empregados que se tornou inútil diante do progresso tecnológico e da globalização galopante.
Em frente ao rolo compressor das multinacionais, o que pode fazer um único trabalhador intelectual? A psicóloga francesa Corinne Mayer aconselha todos os empregados que desenvolvem trabalhos intelectuais a resistir passivamente, escavando um nicho no sistema organizacional que os oprime. Pede a eles que se refugiem num esconderijo em que possam passar despercebidos, cultivando a própria preguiça, trabalhando o menos possível, evitando conflitos. Eles devem adequar-se docilmente aos ditames organizacionais, isentando-se de responsabilidades, passando a batata quente aos novatos e aos subordinados, sobrevivendo, vegetando e esperando passivamente a morte.
Tenho ódio da preguiça, o suicídio da alma, pois os seres humanos são feitos para criar, não para vegetar. De minha parte, desaconselho a ação individual, destinada a sucumbir de qualquer maneira. O resgate dos trabalhadores intelectuais somente poderá ter sucesso com ações conscientes, organizadas junto com empresas de visão mais ampla. Não para estender as regras do trabalho também ao tempo livre. Mas, muito pelo contrário, para transformar o trabalho em ócio criativo.


(MASI, Domenico de. Quando nosso cérebro sai da
linha de montagem. Época, n.º 436, p. 106, set. 2006.

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