BOAS VINDAS

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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Fuga


Fuga



Mal o pai colocou o papel na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal.
─ Para com esse barulho, meu filho ─ falou, sem se voltar.
Com três anos já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.
─ Pois então para de empurrar a cadeira.
─ Eu vou embora – foi a resposta.
Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de plástico com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da despensa? ─ a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarrado num barbante.
A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. De repente, o pai olhou ao redor e não viu o menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o portão:
─ Viu um menino saindo desta casa? ─ gritou para o operário que descansava diante da obra do outro lado da rua, sentado no meio-fio.
─ Saiu agora mesmo com uma trouxinha – informou ele.
Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada no chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e ─ saíra de casa prevenido ─ uma moeda de 1 cruzeiro. Chamou-o, mas ele apertou o passinho,
abriu a correr em direção à Avenida, como disposto a atirar-se diante do ônibus que surgia a distância.
─ Meu filho, cuidado!
O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino, assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o arrebanhou com o braço como a um animalzinho:
─ Que susto me passou, meu filho ─ e apertava-o contra o peito, comovido.
─ Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.
Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso de lhe dar umas palmadas:
─ Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu pai.
─ Me larga. Eu quero ir embora.
Trouxe-o para casa e o largou novamente na sala ─ tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e retirar a chave, como ele fizera com a da despensa.
─ Fique quietinho, está ouvindo? Papai está trabalhando.
─ Fico, mas vou empurrar esta cadeira.
E o barulho recomeçou.

Fernando Sabino

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