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terça-feira, 9 de julho de 2013

As crianças trabalhadoras



As crianças trabalhadoras


      Enxergar o trabalho infantil na TV com menos glamour atenuaria a mercantilização da infância.


            A mão-de-obra infantil na TV cresce a cada dia, o que parece não incomodar ninguém. Embora já existam, na opinião pública, sinais de recusa à exploração do trabalho de crianças nas olarias, nas carvoarias ou na agricultura, a participação de  atores mirins em propagandas, assim como nas novelas e nos filmes, não é encarada como trabalho. É como se fosse uma premiação. Qualquer mãe ficaria orgulhosa de ter o seu filhinho fazendo papel de mamífero numa campanha de leite. Ela dificilmente entenderia a coisa como um tipo  de  exploração  injusta.  Para  o senso comum, estar na televisão é participar do estrelato, e no estrelato, acredita-se, não há relações trabalhistas.
      O fato é que o público aceita e aplaude os programas e as propagandas estrelados por crianças. Como essa que acaba de entrar no ar, de um automóvel.  Um  grupo de garotos  em  idade de frequentar o jardim-de-infância troca suas impressões sobre os carros dos pais. O do meu pai é alemão, anuncia um, o do meu pai é japonês, emenda outro, e cada um vai contando sua vantagem. No final, um deles garante que o carro do pai reúne todas as  nacionalidades,  pois  é  um  modelo  mundial,  portanto melhor que todos os outros. O automóvel surge na cena, e todos os coleguinhas ficam embasbacados.
      Mas então quer dizer que alunos de jardim-de-infância funcionam para vender até produtos para consumidores adultos? Sim, os publicitários já sabem disso há tempos: crianças pesam, e muito, na decisão de compra dos adultos. Pais compram carros e outras mercadorias na esperança de comprar junto a admiração do filho. Quanto aos filhos, motivados pela TV, repercutem a propaganda dentro de casa: “Compra, paiê!”.
      É muito  gracioso,  espontâneo  e  bem  dirigido o elenco  da campanha do tal carro. Da mesma forma, são encantadores os protagonistas mirins dos comerciais de margarina, de sabão em pó, até de brinquedo. E provavelmente a aparição episódica em propagandas como essas não seja prejudicial à criança. Proibi-la seria uma violência absurda.  Mas o telespectador e a sociedade não devem esquecer que se trata de um trabalho, que deve ser tratado e regulado enquanto tal. Enxergar esse tipo de trabalho com um pouco menos de glamour contribuiria bastante para atenuar essa consentida mercantilização da infância.
      O maior poeta brasileiro sonhou com  uma  canção  que  pudesse acordar os homens e adormecer as crianças. Atualmente, o uso de meninos e meninas na TV faz o contrário: desperta (e instrumentaliza) o consumismo nas crianças para inebriar os adultos.



(Eugênio Bucci – Revista Veja, 26/03/97)


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