BOAS VINDAS

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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Eu sou teu livro

Eu sou teu livro

 
           


            Nasci na encosta de um outeiro. E fiquei, dentro em pouco, um pinheiro delgado e elegante. Tão elegante que uma senhora, passando com seus filhos por perto de mim, desejou-me para árvore de natal.
         ― Como ficará lindo carregadinho de presentes e de doces, com as velinhas de cores ― exclamou uma das meninas que acompanhavam a senhora.
        Estremeci até às raízes, pensando que logo me haviam de arrancar para, no grande e festivo dia das crianças, ir adornar o salão de uma escola ou de uma casa abastada.
         Passaram-se, porém, muitos anos e ninguém veio buscar-me para a festa do Natal. Minhas raízes aprofundaram-se mais; meu tronco tornou-se alto e forte; estendi para o céu a ramaria possante, que as tempestades não puderam derribar. Todos os anos as pinhas enfeitavam meus galhos; e, quando amadureciam, aves, animais e homens vinham à minha sombra colher os frutos que se espalhavam pelo chão. Eu era a maior e a mais bela de todas as árvores daquela região.
         Mas o dia funesto chegou. Um homem aproximou-se de mim, olhou-me com atenção de alto a baixo, e fez, a facão, um sinal no meu tronco. Vieram depois operários musculosos, de machado em punho; e logo estava eu deitado no solo, com os ramos partidos. Estava reduzido a um simples madeiro ― eu, o rei dos vegetais de toda aquela redondeza...!
       Arrastaram-me, em seguida, para uma fábrica e reduziram-me a uma polpa branca. Nenhum dos meus camaradas me houvera reconhecido, quando, transformado em alvo lençol, sofria a última demão, a fim de aparecer no mercado sob a forma de papel. Que torturas padeci: os golpes mortíferos do machado, o talho agudo das lâminas que me dilaceravam, o aperto horrível de engrenagens que me esmagavam, o atrito áspero de mós que me pulverizavam, o ardor das drogas que me fizeram pálido... Depois de tudo isso, colocaram-me numa prensa, da qual saí para uma longa viagem.
         Vendeu-me um negociante a um impressor. Fui para uma tipografia, onde novas angústias me esperavam. Puseram-me num prelo, no qual, em giros vertiginosos, palavras e gravuras eram sobre mim estampadas. Dobraram-me depois. Cortaram-me. Coseram-me. Cobriram-me com duas capas de cartão. E eis-me aqui, agora, meu amigo, para ir contigo à escola. 
         Não me maltrates nem me desprezes. Muito sofri para trazer-te a sabedoria dos antigos, as lições da experiência, a expressão dos prosadores e poetas, que enriqueceram tua língua materna e fizeram meigo e suave teu idioma.
         Ama-me e lê-me: eu sou teu livro!
  
(Apólogo de Erasmo Braga)

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