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domingo, 13 de maio de 2012

Tributo a Angie

TRIBUTO A "ANGIE"
(crônica)

"Angie", não esquecerei de ti; aliás, não esqueceremos de ti. Lembro o dia em que te trouxe do Largo de São Francisco, centro de São Paulo. Trouxe-te numa caixa fechada, não muito aconchegante. E como reclamaste o desassossego! Era uma tortura os solavancos do ônibus.
Confesso que senti vergonha dos teus grunhidos; olhavam-me com espanto e desdém, como se fosse coisa do outro mundo.
Alegrou-nos sobremaneira a tua chegada, e por poucos dias nos encantaste com teus trejeitos e travessuras. Por pouco tempo vieste somar alegrias às já existentes.
É... mas foi por poucos dias...
O fatal destino arrebatou-nos essa alegria que parecia diuturna. Nem mesmo completaste um ano de vida nem mesmo a metade.
Hoje o dia amanheceu sombrio, não só porque fazia frio intenso, mas também porque sofreste dolorosamente toda a noite que passou. E o teu sofrimento sempre nos inquietou. Mas nessa noite sentimos pavor: parecia uma noite interminável.
É verdade que já sofrias há tempo... Lamento muito.
E como sofreste!...
"Angie", sei que já não pertences ao brutal e perigoso mundo dos viventes e jamais desconheci a tua natureza tão diferente da nossa, se bem que disso não fizemos muito caso. Mas falo à tua memória memória viva; que atormenta e que nos causa dissabores.
Não esqueço a tua vivacidade. Pior ainda: não esqueço o teu passamento. Para minha vergonha, desalento, desespero e frustração, morreste em minhas mãos.
Desculpa, "Angie", não te ter podido salvar da morte essa meretriz infernal que vive procurando ser-parceiro. Não imaginas quanto lamento o teu triste fim, e o quanto sofreste.
Ah... quisera ter-te agora, viva, radiante. Quisera que não morresses... A tua morte revela o meu estado de completa indigência, a minha quase-miséria. A tua perda acusa minha total falta de recursos. Não tive recursos para salvar-te da "enfermeira-megera" covarde, traiçoeira! Fui indesculpável no teu socorro.
Ah, "Angie", não me recrimines, não me queiras mal por minha displicência. Meu pior erro foi tirar-te a possibilidade de seres adquirida por dono capaz de criar-te com saúde e responsabilidade.
É... é isso mesmo: fui irresponsável!
Como dói lembrar o teu "sacrifício": a agulha cravada em teu coração inocente e indefeso, o veneno correndo por tuas veias e as tuas lágrimas sim, eram lágrimas de dor e morte escorrendo, as tuas últimas convulsões... e o teu fim.
Não lutaste com a morte estavas debilitada demais , mas o teu olhar derradeiro, para mim, doeu fundo: parecia uma súplica ou um adeus amargurado e incrédulo. E isso ainda dói, quando lembro.
E foste finando em poucos minutos: primeiro o teu cérebro instantaneamente; após, o teu coração em três minutos.
Desculpa, "Angie", desculpa mesmo, mas já não havia mais jeito: a tua situação era irreversível.
Se eu fosse poeta te faria um lindo poema; se pintor, um belo quadro; se escultor, estátua imponente. Bem que merecias um tributo maior que essas linhas mal ordenadas e pálidas.
"Angie", por muito estarás em nossa memória, já que não podes estar fisicamente em nosso convívio.
Não serás substituída.
Serviu-me como lição a tristeza que me persegue e a vergonha que me revolta, por ter-te perdido.
Eras um animal irracional talvez mais racional que muitos humanos , mas forte, querida e estimada na categoria de ser superior a ti.
Ficaram como lição as lágrimas que rolaram e a dor que emana das escarpas do meu coração.
Tchau, "Angie"; até nunca mais...!

São Paulo-SP, 10.05.85

Pimentel

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