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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A abolição do gerúndio



A abolição do gerúndio

(José Augusto Carvalho)


José Roberto Arruda, governador de Brasília, em seu artigo “Demiti o gerúndio”, argumenta que demitir o gerúndio era uma necessidade, porque os funcionários públicos recorriam a ele "para justificar a própria ineficiência". Para ele, ditos como "estamos preparando" ou "estamos providenciando" (exemplos citados por ele como condenáveis, mas exemplos legítimos do uso do gerúndio que nada têm a ver com o gerundismo) caracterizariam "um crime contra a população" por representar uma "progressão indefinida".
Além do raciocínio indutivo que faz tábula rasa de todos os funcionários, considerados proteladores e ineficientes, José Roberto Arruda condena o gerúndio porque, para ele, o abuso do gerúndio é que seria responsável pelo emperramento da máquina administrativa. O gerúndio é que seria responsável pela burocracia, "enquanto doentes padecem nas filas dos hospitais". Vale dizer: eliminando-se o gerúndio, os doentes terão atendimento, os funcionários exercerão suas funções
com zelo, dedicação e eficiência.
"Abolir" o gerúndio é cercear a liberdade de expressão do falante. Não é o gerúndio que provoca o adiamento de um processo, a procrastinação de um serviço público ou a falta de atendimento médico. Na ótica simplista do Sr. Arruda, eliminando-se o gerúndio, eliminam-se também a preguiça e a incompetência dos funcionários e burocratas da sua administração. Se a mesa está quebrada, basta eliminar a palavra "quebrado" do dicionário para que a mesa fique consertada; para que um motor de carro funcione sempre, basta eliminar a palavra "pane" dos dicionários. Para que um funcionário trabalhe, basta eliminar o gerúndio do seu vocabulário.
O Sr. José Roberto Arruda descobriu a cura de todos os males! Oxalá falantes ilustres tenham o bom senso de entender que a nossa língua portuguesa não tem um único dono. Nossa língua portuguesa é a língua de todos nós, mesmo que alguma autoridade não concorde com o nosso jeito de usá-la.



O gerúndio é só o pretexto I

(Luiz Costa Pereira Jr.)

Ele chegou furtivo, espalhou-se feito gripe e virou uma compulsão nacional. Em menos de uma década, o gerundismo cavou pelas bordas seu lugar sob os holofotes do país. É o Paulo Coelho da linguagem cotidiana. Nas filas de banco, em reuniões de empresas, ao telefone, nas conversas formais, em e-mails e até nas salas de aula, há sempre alguém que "vai estar passando" o nosso recado, "vai estar analisando" nosso pedido ou "vai poder estar procurando" a chave do carro. É fenômeno democrático, sem distinção de classe, profissão, sexo ou idade. O gerundismo já foi alvo de tantos e tão calorosos debates, que mesmo a polêmica em torno dele pode estar virando uma espécie de esporte de horas vagas, quase uma comichão a que poucos parecem indiferentes. Embora não haja explicação única para a origem do fenômeno, sua popularidade chama a atenção não só de especialistas da língua, mas de empresários e ouvidos sensíveis a saraivadas repetidas do mesmo vício.
O gerundismo pode não passar de moda e, tal como veio, desmanchar-se no ar, como outros vícios de ocasião. O movimento recente contrário à sua aceitação pode indicar que o fenômeno está longe de generalizar-se. Mas, se ele corresponder mesmo a uma necessidade nem sempre consciente da comunidade, erradicá-lo vai demorar muito mais do que se imagina. Ainda é cedo para garantir, com firmeza, o futuro do combate ao gerúndio vicioso. Se tal esforço "vai estar surtindo efeito", só o tempo "vai poder estar dizendo".



O Gerúndio é só o pretexto II

(Luiz Costa Pereira Jr.)

Ao adotar o gerúndio numa construção que não o pedia, a pessoa finge indicar uma ação futura com precisão, quando na verdade não o faz. Para a professora Maria Helena de Moura Neves, da UNESP e do Mackenzie, autora da Gramática de Usos do Português, o gerundismo faz
a informação pontual (em que o foco está na ação) ser transformada numa situação em curso (durativa). O aspecto pontual é aquele em que um fenômeno é flagrado independentemente da passagem de tempo – o verbo se refere só à ação. São pontuais, por exemplo, expressões como
"vou fazer" ou o futuro do presente, "farei".
Porque os mecanismos linguísticos são acionados pela intenção, diz Maria Helena, é possível obter um efeito pragmático na locução do gerúndio de atenuar o compromisso com a palavra dada.
Quando digo "vou passar seu recado", a referência é a ação em si. Não me atenho à sua duração. Com isso, amarro um compromisso. A ação é indicada ali, pura e simplesmente. Garanto que ela se cumprirá. Ao usar o gerúndio, deixo de me referir puramente à ação e incorpora-se o aspecto verbal durativo. A ênfase passa a ser outra. Você comunica que até encontrará tempo para fazer a ação, mas seu foco não está mais nela.



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