Clic
Luis Fernando Verissimo
Cidadão se descuidou
e roubaram seu celular. Como era um executivo e não sabia mais viver sem
celular, ficou furioso. Deu parte do roubo, depois teve uma idéia. Ligou para o
número do telefone. Atendeu uma mulher.
— Aloa.
— Quem fala?
— Com quem quer
falar?
— O dono desse telefone.
— Ele não pode atender.
— Quer chamá-lo, por favor?
— Ele esta no banheiro. Eu posso anotar o
recado?
— Bate na porta e chama esse vagabundo
agora.
Clic. A mulher desligou. O cidadão controlou-se.
Ligou de novo.
— Aloa.
— Escute. Desculpe o jeito que eu falei
antes. Eu preciso falar com ele, viu? É urgente.
— Ele já vai sair do banheiro.
— Você é a...
— Uma amiga.
— Como é seu nome?
— Quem quer saber?
O cidadão inventou um nome.
— Taborda. (Por que Taborda, meu Deus?) Sou
primo dele.
— Primo do Amleto?
Amleto. O safado já tinha um nome.
— É. De Quaraí.
— Eu não sabia que o Amleto tinha um primo
de Quaraí.
— Pois é.
— Carol.
— Hein?
— Meu nome. É Carol.
— Ah. Vocês são...
— Não, não. Nos conhecemos há pouco.
— Escute Carol. Eu trouxe uma encomenda para
o Amleto. De Quaraí. Uma pessegada, mas não me lembro do endereço.
— Eu também não sei o endereço dele.
— Mas vocês...
— Nós estamos num motel. Este telefone é
celular.
— Ah.
— Vem cá. Como você sabia o número do
telefone dele? Ele recém-comprou.
— Ele disse que comprou?
— Por que?
O cidadão não se conteve.
— Porque ele não comprou, não. Ele roubou.
Está entendendo? Roubou. De mim!
— Não acredito.
— Ah, não acredita? Então pergunta pra ele.
Bate na porta do banheiro e pergunta.
— O Amleto não roubaria um telefone do
próprio primo.
E Carol desligou de novo.
O cidadão deixou passar um tempo, enquanto
se recuperava. Depois ligou.
— Aloa.
— Carol, é o Tobias.
— Quem?
— O Taborda. Por favor, chame o Amleto.
— Ele continua no banheiro.
— Em que motel vocês estão?
— Por que?
— Carol, você parece ser uma boa moça. Eu
sei que você gosta do Amleto...
— Recém nos conhecemos.
— Mas você simpatizou. Estou certo? Você não
quer acreditar que ele seja um ladrão. Mas ele é, Carol. Enfrente a realidade.
O Amleto pode Ter muitas qualidades, sei lá. Há quanto tempo vocês saem juntos?
— Esta é a primeira vez.
— Vocês nunca tinham se visto antes?
— Já, já. Mas, assim, só conversa.
— E você nem sabe o endereço dele, Carol. Na
verdade você não sabe nada sobre ele. Não sabia que ele é de Quaraí.
— Pensei que fosse goiano.
— Ai esta, Carol. Isso diz tudo. Um cara que
se faz passar por goiano...
— Não, não. Eu é que pensei.
— Carol, ele ainda está no banheiro?
— Está.
— Então sai daí, Carol. Pegue as suas coisas
e saia. Esse negocio pode acabar mal. Você pode ser envolvida. — Saia daí
enquanto é tempo, Carol!
—
Mas...
— Eu sei. Você não precisa dizer. Eu sei.
Você não quer acabar a amizade. Vocês se dão bem, ele é
muito legal. Mas ele
é um ladrão, Carol. Um bandido. Quem rouba celular é capaz de tudo. Sua vida
corre perigo.
— Ele esta saindo do banheiro.
— Corra, Carol! Leve o telefone e corra! Daqui a pouco eu ligo para saber onde você está.
Clic.
Dez minutos depois, o cidadão liga de novo.
— Aloa.
— Carol, onde você está?
— O Amleto está aqui do meu lado e pediu para lhe dizer uma coisa.
— Carol, eu...
— Nós conversamos e ele quer pedir desculpas a você. Diz que vai devolver o telefone, que foi só
— Corra, Carol! Leve o telefone e corra! Daqui a pouco eu ligo para saber onde você está.
Clic.
Dez minutos depois, o cidadão liga de novo.
— Aloa.
— Carol, onde você está?
— O Amleto está aqui do meu lado e pediu para lhe dizer uma coisa.
— Carol, eu...
— Nós conversamos e ele quer pedir desculpas a você. Diz que vai devolver o telefone, que foi só
brincadeira. Jurou
que não vai fazer mais isso.
O cidadão engoliu a raiva. Depois de alguns
segundos falou:
— Como ele vai devolver o telefone?
— Domingo, no almoço da tia Eloá. Diz que encontra você lá.
— Carol, não...
Mas Carol já tinha desligado.
O cidadão precisou de mais cinco minutos para se recompor. Depois ligou outra vez.
—Aloa.
Pelo ruído o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro em movimento.
— Carol, é o Torquatro.
— Quem?
— Não interessa! Escute aqui. Você está sendo cúmplice de um crime. Esse telefone que você tem
— Como ele vai devolver o telefone?
— Domingo, no almoço da tia Eloá. Diz que encontra você lá.
— Carol, não...
Mas Carol já tinha desligado.
O cidadão precisou de mais cinco minutos para se recompor. Depois ligou outra vez.
—Aloa.
Pelo ruído o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro em movimento.
— Carol, é o Torquatro.
— Quem?
— Não interessa! Escute aqui. Você está sendo cúmplice de um crime. Esse telefone que você tem
na mão, esta me
entendendo? Esse telefone que agora tem suas impressões digitais. É meu! Esse
salafrário roubou meu celular!
— Mas ele disse que vai devolver na...
— Não existe Tia Eloá nenhuma! Eu não sou primo dele. Nem conheço esse cafajeste. Ele esta mentindo para você, Carol.
— Então você também mentiu!
— Carol...
Clic.
— Não existe Tia Eloá nenhuma! Eu não sou primo dele. Nem conheço esse cafajeste. Ele esta mentindo para você, Carol.
— Então você também mentiu!
— Carol...
Clic.
Cinco minutos
depois, quando o cidadão se ergueu do chão, onde estivera mordendo o carpete, e
ligou de novo, ouviu um "Alô" de homem.
— Amleto?
— Primo! Muito bem. Você conseguiu, viu? A
Carol acaba de descer do carro.— Olha aqui, seu...
— Você já tinha
liquidado com o nosso programa no motel, o maior clima e você estragou, e agora
acabou com tudo. Ela está desiludida com todos os homens, para sempre. Mandou
parar o carro e desceu. Em plena Cavalhada. Parabéns primo. Você venceu. Quer
saber como ela era?
—
Só quero meu telefone.
— Morena clara.
Olhos verdes. Não resistiu ao meu celular. Se não fosse o celular, ela não
teria topado o programa. E se não fosse o celular, nós ainda estaríamos no
motel. Como é que chama isso mesmo? Ironia do destino?
—
Quero meu celular de volta!
—
Certo, certo. Seu celular. Você tem que fechar negócios, impressionar clientes,
enganar trouxas. Só o que eu queria era a Carol...
—
Ladrão
— Executivo
— Devolve meu...
Clic.
— Executivo
— Devolve meu...
Clic.
Cinco minutos mais
tarde. Cidadão liga de novo. Telefone toca várias vezes. Atende uma voz
diferente.
—
Ahn?
— Quem fala?
— É o Trola.
— Como você conseguiu esse telefone?
— Sei lá. Alguém jogou pela janela de um carro. Quase me acertou.
— Onde você está?
— Como eu estou? Bem, bem. Catando meus papéis, sabe como é. Mas eu já fui de circo. É. Capitão Trovar. Andei até pelo Paraguai.
— Quem fala?
— É o Trola.
— Como você conseguiu esse telefone?
— Sei lá. Alguém jogou pela janela de um carro. Quase me acertou.
— Onde você está?
— Como eu estou? Bem, bem. Catando meus papéis, sabe como é. Mas eu já fui de circo. É. Capitão Trovar. Andei até pelo Paraguai.
— Não quero saber de
sua vida. Estou pagando uma recompensa por este telefone. Me diga onde você
está que eu vou buscar.
— Bem. Fora a Dalvinha, tudo bem. Sabe como
é mulher. Quando nos vê por baixo, aproveita. Ontem mesmo...
— Onde você está? Eu quero saber onde!
— Aqui mesmo,
embaixo do viaduto. De noitinha. Ela chegou com o índio e o Marvão, os três com
a cara cheia, e...
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