Penalidade máxima
Fernando Sabino
Houve
um tempo em que ele era moço e ia à praia. Agora era um homem de meia-idade, paletó
e gravata, de regresso do trabalho, andando ao longo do mar. Lá na areia o
futebol ia animado. Deteve-se, ficou olhando. Futebol de areia era uma coisa
que ele nunca chegaria a entender: não tinha graça, a bola não pulava, ganhava
efeito. E onde já se viu jogar descalço? Lembrava-se das pesadas chuteiras de
seu tempo, com rodelas de couro no tornozelo, cordões compridos dando várias
voltas em torno do pé. E os cravos na sola, deste tamanho! De meter medo nas
bolas altas...
Sorriu,
ficou olhando; é verdade que esses meninos de hoje fazem miséria. Olha só como aquele
mata a bola no peito, controla no joelho e vai levando a bichinha no ar. Mas
chute forte como os de antigamente eles não têm. No seu tempo...
Ia
se afastando, depois de acompanhar um último lance do jogo lá na areia, quando
um chute espirrado atirou a bola cá fora na rua e ela veio rolando até seus
pés. Olhou para um lado e para outro: algum conhecido ali por perto, era uma
vez a sua compostura. Não vendo ninguém, ajeitou cuidadosamente a pelota na
marca do pênalti, para cobrar a penalidade máxima. Lá embaixo os rapazes
aguardavam. Tomou distância, esperou o apito do juiz e, sob o silêncio de
expectativa da torcida, deu um pulinho, veio correndo, desferiu o chute.
Sensação no Maracanã! Gol do Brasil.
O
chute foi realmente perfeito e a bola executou a trajetória pretendida, indo
cair na areia, entre os rapazes. Mas a compostura foi por água abaixo: atrás da
bola, como a cápsula de um foguete-satélite, seguiu o sapato – sapato de
verniz, fora a uma missa de sétimo dia naquela manhã. O sapato ultrapassou a
bola e foi cair na areia lambida pelo mar.
Desequilibrado,
ele começou a rodopiar, saltitando numa perna só, acabou caindo. Um dos
jogadores pescou o
sapato e veio trazê-lo. Ajudou-o a erguer-se:
–
O senhor se machucou?
–
Não foi nada.
–
Antes assim.
–
Isso acontece...
O
rapaz se despediu cordialmente, dando-lhe um tapinha nas costas. Tentou uma
careta jovial, calçou o sapato molhado e saiu chapinhando com ele no asfalto.
Fazia força para não capengar – fora como se tivesse querido atirar a
distância, não a bola, mas a própria perna! Teria distendido algum tendão?
Longe da vista dos jogadores, sentou-se no banco da praia com um gemido. Isso acontece
– repetiu para si mesmo, conformado.
Texto publicado na coletânea O mundo é uma bola:
crônicas, futebol & humor. Editora Ática, 2006.
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