Além-tédio
Nada me expira já,
nada me vive ---
Nem a tristeza nem as
horas belas.
De as não ter e de
nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as
coisas que não tive.
Como eu quisera,
enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num
leito de hospital...
Cansei dentro de mim,
cansei a vida
De tanto a divagar em
luz irreal.
Outrora imaginei
escalar os céus
À força de ambição e
nostalgia,
E doente-de-Novo,
fui-me Deus
No grande rastro
fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo
regressei à dor,
Pois tudo me ruiu...
Tudo era igual:
A quimera, cingida,
era real,
A própria maravilha
tinha cor!
Ecoando-me em
silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na
queda sem remédio;
Eu próprio me traguei
na profundura,
Me sequei todo,
endureci de tédio.
E só me resta hoje
uma alegria:
É que, de tão iguais
e tão vazios,
Os instantes me
esvoam dia a dia
Cada vez mais
velozes, mais esguios...
Mário de Sá-Carneiro
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