CÃO! CÃO! CÃO!
Abriu a porta e viu o amigo que há tanto não via.
Estranhou apenas que ele, amigo, viesse acompanhado de um cão. Cão não muito
grande, mas bastante forte, de raça indefinida, saltitante e com ar alegremente
agressivo. Abriu a porta e cumprimentou o amigo, com toda efusão*: “Quanto
tempo!” O cão aproveitou as saudações, se embarafustou* casa adentro e logo o
barulho na cozinha demonstrava que ele tinha quebrado alguma coisa. O dono da
casa encompridou um pouco as orelhas, o amigo visitante fez um ar de que a
coisa não era com ele. Ora, veja você, a última vez que nos vimos foi... Não,
foi depois, na... E você, casou também? O cão passou pela sala, o tempo passou
pela conversa, o cão entrou pelo quarto e novo barulho de coisa quebrada. Houve
um sorriso amarelo por parte do dono da casa, mas perfeita indiferença por
parte do visitante. Quem morreu definitivamente foi o tio... Você se lembra
dele? Lembro, ora, era o que mais... não? O cão saltou sobre um móvel, derrubou
o abajur, logo trepou com as patas sujas no sofá (o tempo passando) e deixou lá
as marcas digitais de sua animalidade. Os dois amigos, tensos*, agora preferiam
não tomar conhecimento do dogue. E, por fim, o visitante se foi. Se despediu,
efusivo* como chegara, e se foi. Se foi. Se foi. Mas ainda ia indo, quando o
dono da casa perguntou: “Não vai levar o seu cão?” “Cão? Cão? Cão? Ah, não! Não
é meu, não. Quando eu entrei, ele entrou naturalmente comigo e eu pensei que
fosse seu. Não é seu, não?”
Millôr Fernandes – Literatura Comentada. São Paulo,
Abril/Educação, 1980.
Au au
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