TARDE DE SÁBADO
A tardezinha
de sábado, um pouco cinzenta, um pouco fria, parece não possuir nada de muito
particular para ninguém. Os automóveis deslizam; as pessoas entram e saem dos
cinemas; os namorados conversam por aqui e por ali; os bares funcionam
ativamente, numa fabulosa produção de sanduíches e cachorros-quentes. Apesar da fresquidão, as mocinhas trazem nos
pés sandálias douradas, enquanto agasalham a cabeça em echarpes de muitas
voltas.
Tudo
isso é rotina. Há um certo ar de monotonia por toda parte. O bondinho do Pão de
Açúcar lá vai cumprindo o seu destino turístico, e moços bem falantes explicam,
de lápis na mão, em seus escritórios coloridos e envidraçados, apartamentos que
vão ser construídos em poucos meses, com tantos andares, vista para todos os
lados, vestíbulos de mármore, tanto de entrada, mais tantas prestações, sem
reajustamento – o melhor emprego de capital jamais oferecido!
Em
alguma ruazinha simpática, com árvores e sossego, ainda há crianças
deslumbradas a comerem aquele algodão de açúcar que de repente coloca na
paisagem carioca uma pincelada oriental. E há os avós de olhos filosóficos, a
conduzirem pela mão a netinha que ensaia os primeiros passeios, como uma
bailarina principiante a equilibrar-se nas pontas dos sapatinhos brancos.
Andam
barquinhos pela baía, com um raio de sol a brilhar nas velas; há uns pescadores
carregados de linhas, samburás, caniços, muito compenetrados da sua perícia; há
famílias inteiras que não se sabe de onde vêm nem se pode imaginar para onde vão,
e que ocupam muito lugar na
calçada, com a boca cheia de coisas que devem ser balas,
caramelos, pipocas, que passam de uma bochecha para a outra e lhes devem causar
uma delícia infinita.
Depois
aparecem muitas pessoas bem vestidas, cavalheiros com sapatos reluzentes, senhoras com
roupas de renda e chapéus imensos
que a brisa da tarde procura docemente arrebatar. Há risos, pulseiras que
brilham, anéis que faíscam, muita alegria: pois não há mesmo nada mais
divertido que uma pessoa toda coberta de sedas, plumas e flores, a lutar com o
vento maroto, irreverente e pagão.
E
depois são as belas igrejas acesas, todas ornamentadas, atapetadas, como
jardins brancos de grandes ramos floridos.
Por
uma rua transversal, está chegando um carro. E dentro dele vem a noiva, que não
se pode ver, pois está coberta de cascatas de véus, como se viajasse
dentro da Via-láctea. Todos param e olham, inutilmente.
Ela é a misteriosa dona dessa tardezinha de sábado, que parecia simples, apenas
um pouco cinzenta, um pouco fria. É a moça que vem, com a alma cheia de
interrogações, para transformar seus dias de menina e adolescente,
despreocupados e livres, em dias compactos de deveres e responsabilidades. É
uma transição de tempos, de mundos. Mas os convidados a esperam felizes, e ela
não terá que pensar nisso. Ela mal se lembra que é sábado, que é o dia de seu
casamento, que há padrinhos e convidados. E quando a cerimônia chegar ao
apogeu, talvez nem se lembre de quem é: separada dos acontecimentos da terra,
subitamente incorporada ao giro do Universo.
(MEIRELES,
Cecília. Escolha o seu sonho.
28.ed.,
Rio de Janeiro: Record, 2008, pp.100-102.)
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