Decadência e esplendor da
espécie
Não sei o que terá
acontecido com a espécie humana.
Esta ausência de pelos...
Para os outros mamíferos a nossa nudez pode parecer repugnante como, para nós,
a nudez dos vermes.
E, depois, a nossa
verticalidade é antinatural. Estas mãos pendendo, inúteis, são ridículas como
as dos cangurus sentados.
Se fôssemos veludos e
quadrúpedes, ganharíamos muito em beleza e, sem a atual tendência à adiposidade,
poderíamos ser quase tão belos como cavalos.
Felizmente, inventou-se
a tempo o vestuário, que, pela variedade e beleza (a par de sua utilidade em
vista do fatal desabrigo em que ficamos) redime um pouco esta degenerescência.
E acontece que
inventamos também o mobiliário, os utensílios: no caso vigente, esta cadeira em
que escrevo sentado a esta mesa, à luz artificial desta lâmpada.
E ainda este ato de
escrever, isto é, de expressar-me por meio de sinais gráficos, é mais uma prova
da nossa artificialidade.
Mas quem foi que disse
que eu estou amesquinhando a espécie? Quero apenas significar que, em face das suas
miseráveis contingências, o homem criou, além do mundo natural, um mundo
artificial, um mundo todo seu, uma segunda natureza, enfim.
O homem, esse
mascarado...
QUINTANA, Mário. Caderno H. Porto Alegre: Globo, 1973. p.
51.
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