"Por fora" de Xanás
Stanislau Ponte Preta (Sérgio Porto)
Todo dito
popular funciona e ficaria o dito pelo não dito se os ditos ditos não
funcionassem, dito o que, acrescento que há um dito que não funciona ou, melhor
dito, é um dito que funciona em parte uma vez que, no setor da ignorância, o
dito falha, talvez para confirmar outro velho dito: o do não-há-regra-sem-exceção.
Digo melhor: o dito mal-de-muitos-consolo-é encerra muita verdade, mas falha
quando notamos que ignorância é o que não falta pela aí e, no entanto, ninguém
gosta de confessar sua ignorância. Logo, pelo menos aí, o dito dito falha.
Tenho
experiência pessoal quanto à má-vontade do próximo para com a própria
ignorância, má-vontade esta confirmada diversas vezes em poucos minutos, graças
a uma historinha vivida ao lado do escritor Álvaro Moreira, num dia em que
fomos almoçar juntos, na cidade.
Já não me
lembro qual o motivo do almoço. Lembro-me, isto sim, que íamos caminhando,
quando Alvinho disse, em voz alta:
— Leônio
Xanás.
— O quê? —
perguntei, e Alvinho explicou que Leônio Xanás era o nome do pintor que estava
pintando seu apartamento. Até me mostrou um cartãozinho, escrito "Leônio
Xanás — Pinturas em Geral — Peça Orçamento".
— Hoje
acordei com o nome dele na cabeça. A toda hora digo Leônio Xanás — contava o
escritor. — Ainda agorinha, ao entrar no lotação, disse alto "Leônio
Xanás" e levei um susto, quando o motorista respondeu: "Passa
perto". Ele pensou que eu estava perguntando por determinada rua e foi
logo dizendo que passa perto, sem, ao menos, saber que rua era.
Foi aí que
nos nasceu a vontade de experimentar a sinceridade do próximo e nos nasceu a
certeza de que ninguém gosta de confessar-se ignorante mesmo em relação às
coisas mais corriqueiras. Entramos numa farmácia para comprar Alka-Seltzer
(pretendíamos tomar vinho no almoço) e Alvinho experimentou de novo,
perguntando ao farmacêutico:
— Tem
Leônio Xanás?
— Estamos
em falta — foi a resposta.
Saímos da
farmácia e fomos ao prédio onde tem escritório o editor do Alvinho. No
elevador, nova experiência. Desta vez quem perguntou fui eu, dirigindo-me ao
cabineiro do elevador:
— Em que
andar é o consultório do Dr. Leônio Xanás?
— Ele é
médico de quê?
— Das vias
urinárias — apressou-se a mentir o amigo, ante a minha titubeada.
Então é no
sexto andar — garantiu o cara do elevador, sem o menor remorso. E se não
tivéssemos saltado no quarto andar por conta própria, teria nos deixado no
sexto a procurar um consultório que não existe.
E assim foi
a coisa. Ninguém foi capaz de dizer que não conhecia nenhum Leônio Xanás ou que
não sabia o que era Leônio Xanás. Nem mesmo a gerente de uma loja de roupas,
que — geralmente — são senhoras de comprovada gentileza. Entramos num elegante
magazine do centro da cidade para comprar um lenço de seda para presente. Vimos
vários todos bacanérrimos, mas — para continuar a pesquisa — indagamos da
vendedora:
— Não tem
nenhum da marca Leônio Xanás?
A mocinha
pediu que esperássemos um momento, foi até lá dentro e voltou com a prestativa
senhora gerente. Esta sorriu e quis saber qual era mesmo a marca:
— Leônio
Xanás — repeti, com esta impressionante cara-de-pau que Deus me deu.
Madame
voltou a sorrir e respondeu: — Tínhamos, sim, senhor. Mas acabou. Estamos
esperando nova remessa.
Foi uma
pena não ter. Compramos de outra marca qualquer e fomos almoçar. Foi um almoço
simpático com o velho amigo. Lembro-me que, na hora do vinho, quando o garçom
trouxe a carta, Alvinho deu uma olhadela e disse, em tom resoluto:
— Queremos
uma garrafa de Leônio Xanás tinto.
O garçom
fez uma mesura: — O senhor vai me perdoar, doutor. Mas eu não aconselho esse
vinho.
Devia ser
uma questão de safra, daí aconselhar outro: — O Ferreirinha não serve?
Servia.
É
irmãos, mal de muitos consolo é, mas ignorante que existe às pampas, ninguém
quer ser.
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