Força, Veríssimo!
VERGONHA
(Luís
Fernando Veríssimo)
Será
que a gente somos corrupto? De nascença?
Por natureza? Alguma coisa na água, ou no leite da mãe? Em Paris, nos
aconselhavam a não dizer que éramos brésiliens, pegava mal. Lá é quase sinônimo
de travesti. Devíamos dizer du Brésil – para não acabar dizendo “brasileiros,
mas no bom sentido”. Nos Estados Unidos, o Brasil é o Grande Caloteiro. No cinema
americano, é tradicionalmente para o Brasil que vem os bandidos, pelo menos os
que conseguem escapar com a grana. Muito do nosso folclore é baseado no
autodesprezo: somos a terra do malandro, do indolente, do encostado. Somos,
paradoxalmente, a raça do jeito pra tudo e a raça que não tem jeito mesmo.
Existiria,
no brasileiro, uma falha estrutural que frustraria todas as tentativas de
reformá-lo. Uma maldição mais forte que o remorso, mais forte, até, do que a informatização.
Os computadores, feitos para evitar o contágio da esperteza humana, da
esperteza da caneta e do papel carbono, sucumbiriam à maldição assim que um
dedo brasileiro os tocasse misteriosamente, só pelo convívio. Todas as nossas
tentativas de regeneração acabariam na frase terrível, no epíteto fatal: sabe
como é brasileiro...
Ou
então há uma certa faceirice na nossa autocondenação. Uma certa gabolice. Não
somos menos morais do que outros povos mas gostamos de dizer que somos. Tem
algo a ver com o nosso tamanho.
Nosso
mar de lama não é maior que outros, a extensão da nossa costa é que nos dá
delírios de baixeza. Nossa alma amazônica não se satisfaz com pequenas falcatruas,
queremos pororocas de sujeira, dilúvios de canalhice. O rombo é de trilhões! O
escândalo da Previdência seria apenas mais uma prova de que não tem jeito
mesmo. O escândalo da Previdência é antigo, é um escândalo institucionalizado,
é o escândalo do descaso histórico do Estado com o cidadão no Brasil, da classe
dominante com a classe ludibriada. Todas as sociedades deste lado do mundo são,
de um jeito ou de outro, cleptocracias, construídas pelos mais espertos. Nas
que deram certo o proveito deste pioneirismo dos canalhas foi distribuído, nas
que continuam dando errado só uma minoria aproveita seus próprios crimes,
enquanto convence a maioria de que seu caráter é que a derrota. Resolvida a
atual crise no sistema- ou, o que é mais provável, não resolvida a crise mas
terminado o barulho – continuará o escândalo maior. Vergonhosas não são as
listas de benefícios adulteradas, são as listas que estão certas.
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