Atitude suspeita
Sempre me intriga a notícia de que
alguém foi preso “em atitude suspeita”. É uma frase cheia de significados. Existiriam
atitudes inocentes e atitudes duvidosas diante da vida e das coisas e qualquer
um de nós estaria sujeito a, distraidamente, assumir uma atitude que dá cadeia!
– Delegado, prendemos este cidadão em
atitude suspeita.
– Ah, um daqueles, é? Como era a sua
atitude?
– Suspeita.
– Compreendo. Bom trabalho, rapazes. E
o que é que ele alega?
– Diz que não estava fazendo nada e
protestou contra a prisão.
– Humm. Suspeitíssimo. Se fosse
inocente não teria medo de vir dar explicações.
– Mas eu não tenho o que explicar! Sou
inocente!
– É o que todos dizem, meu caro. A sua
situação é preta. Temos ordem de limpar a cidade de pessoas em atitudes
suspeitas.
– Mas eu só estava esperando o ônibus!
– Ele fingia que estava esperando um
ônibus, delegado. Foi o que despertou a nossa suspeita.
– Ah! Aposto que não havia nem uma
parada de ônibus por perto. Como é que ele explicou isso?
– Havia uma parada sim, delegado. O
que confirmou a nossa suspeita. Ele obviamente escolheu uma parada de ônibus
para fingir que esperava o ônibus sem despertar suspeita.
– E o cara-de-pau ainda se declara
inocente! Quer dizer que passava ônibus, passava ônibus e ele ali fingindo que
o próximo é que era o dele? A gente vê cada uma...
– Não senhor, delegado. No primeiro
ônibus que apareceu ele ia subir, mas nós agarramos ele primeiro.
– Era o meu ônibus, o ônibus que eu
pego todos os dias para ir pra casa! Sou inocente!
– É a segunda vez que o senhor se
declara inocente, o que é muito suspeito. Se é mesmo inocente, por que insistir
tanto que é?
– E se eu me declarar culpado, o
senhor vai me considerar inocente?
– Claro que não. Nenhum inocente se
declara culpado, mas todo culpado se declara inocente. Se o senhor é tão
inocente assim, por que estava tentando fugir?
– Fugir, como?
– Fugir no ônibus. Quando foi preso.
– Mas eu não tentava fugir. Era o meu
ônibus, o que eu tomo sempre!
– Ora, meu amigo. O senhor pensa que
alguém aqui é criança? O senhor estava fingindo que esperava um ônibus, em
atitude suspeita, quando suspeitou destes dois agentes da lei ao seu lado.
Tentou fugir e...
– Foi isso mesmo. Isso mesmo! Tentei
fugir deles.
– Ah, uma confissão!
– Porque eles estavam em atitude
suspeita, como o delegado acaba de dizer.
– O quê? Pense bem no que o senhor
está dizendo. O senhor acusa estes dois agentes da lei de estarem em atitude
suspeita?
– Acuso. Estavam fingindo que
esperavam um ônibus e na verdade estavam me vigiando. Suspeitei da atitude
deles e tentei fugir!
– Delegado...
– Calem-se! A conversa agora é outra.
Como é que vocês querem que o público nos respeite se nós também andamos por aí
em atitude suspeita? Temos que dar o exemplo. O cidadão pode ir embora. Está
solto. Quanto a vocês...
– Delegado, com todo o respeito,
achamos que esta atitude, mandando soltar um suspeito que confessou estar em
atitude suspeita, é um pouco...
– Um pouco? Um pouco?
– Suspeita.
(VERÍSSIMO, Luís Fernando. In: Para Gostar
de
Ler. v. 13. 10. ed. São Paulo:
Ática, 2000.)
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