Leitura terapêutica
Biblioterapia clínica recomenda livros para aliviar
sintomas decorrentes
de tratamentos de saúde, como angústia, solidão e
insônia.
A leitura engrandece a alma,
escreveu uma vez Voltaire. A frase do pensador iluminista mostra o potencial do
livro para agregar conhecimento, abrir portas para a imaginação e servir de
refúgio para os problemas diários. Entusiastas de biblioteca defendem que ler
tem poderes mágicos e pode ajudar a curar. A realidade não está muito longe
disso. Médicos e psicólogos indicam a leitura para aliviar sintomas de diversas
patologias. A prática recebe o nome de biblioterapia clínica, definida como a
recomendação de livros para aliviar angústias pessoais, estimular emoções,
promover o diálogo e ajudar pessoas com insônia.
“A biblioterapia mostra um
cuidado com o ser humano, que se manifesta ao ler, narrar ou dramatizar
histórias”, diz a professora Clarice Caldin, do departamento de Ciências da
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista no
tema, ela explica que as narrativas literárias buscam proporcionar a catarse,
considerada por alguns autores como uma purificação do corpo e da mente.
Por meio da leitura, as pessoas
podem se identificar com personagens ficcionais, refletindo suas próprias
atitudes. “O objetivo da biblioterapia é favorecer a expressão dos pensamentos
aflitivos, como uma descarga emocional, uma purgação”, observa.
Histórias
A administradora Roseli Bassi
percebeu esse potencial terapêutico da leitura e criou a ONG História Viva, que
conta com um time de 200 voluntários especializados em ler e contar histórias
para pacientes de hospitais. “Nosso trabalho é apaziguar os sentimentos de
pessoas que estão lidando com realidades difíceis. Tiramos crianças e adultos
de suas doenças ao abrir um mundo de imaginações”, afirma.
Julia Dutra, 10 anos, luta contra
o câncer desde 2008. Durante alguns dias da semana, em seu quarto no Hospital
das Clínicas, em Curitiba, ela recebe a visita de um contador de histórias, que
lê para a menina por cerca de uma hora. No período, suas preocupações se tornam
disputas entre monstros, desafios de leões e castelos de princesas. A narrativa
vira uma distração, que a anima. “É uma parte do dia que adoro”, diz a menina.
Antes de sair, o voluntário deixa
um recado para os pais de Julia. “É recomendado que vocês leiam para ela
também, isso ajuda a fortalecer o interesse dela.” Além de distrair e relaxar,
a biblioterapia por meio de contadores de histórias incentiva a aproximação com
o livro.
Benefícios
Na realidade hospitalar, a
leitura tira o paciente de sua rotina, de sua espera. Existem pessoas que usam
livros, revistas e jornais para enfrentar a cadeira antes de serem atendidos em
um consultório. “É importante que cada um saiba o tipo de leitura que o ajuda.
Geralmente são as que mais agradam”, aponta Ítala Duarte, psicóloga clínica do
Hospital Erasto Gaertner. O efeito terapêutico depende da disposição do paciente
diante da leitura.
Um livro antes de dormir, por
exemplo, pode ajudar pessoas com insônia. O médico Attilio Melluso Filho, do
Centro de Distúrbios do Sono de Curitiba, diz que quanto menos alarmante e
repetitiva for a narrativa, melhor a condução para a latência do sono, período
que antecede o adormecer. A leitura engrandece a alma e também faz bem para a
saúde.
Companhia para a solidão
Na sala de diálise da Santa Casa
de Curitiba, Florisbal Costa passa algumas tardes lendo livros e jornais. Em
tratamento por conta de um problema de rim há três anos, ele usa a leitura para
combater a solidão. “Ler direciona o cérebro das pessoas sozinhas. Faz a gente
pensar no que é bom”, diz.
Com 101 anos, o vendedor
aposentado vive na companhia de uma enfermeira, que o ajuda. Há vários anos,
pratica a rotina diária de ler jornais e revistas. “Assim me conecto com o
mundo.” Como passa mais da metade da semana no hospital, a companhia dos livros
também o mantém distraído.
A leitura é estimulada para
pacientes em diálise. O médico Georgio Sfredo Bertuzzo, da Santa Casa, diz que
as narrativas literárias ajudam a conter a ansiedade. Afinal, são várias horas
em que os pacientes não fazem nada a não ser esperar. Costa faz a sua parte,
além de ler muito, ele troca livros com outros pacientes.
Recuperação por meio de livros
Para Victor D’Ambrós, 12 anos, os
livros são mais importantes do que os filmes. Prefere histórias de ação, que
tenham alguma coisa a ver com os videogames que joga. A prática da leitura é
bastante útil no período em que fica no hospital ou em casa, se recuperando de
quimioterapias.
Victor descobriu que tem sarcoma
de Ewing, um tipo de câncer que atinge os ossos, em julho do ano passado. Está
reagindo bem ao tratamento, mas precisou se afastar da escola e dos amigos. “A
leitura o ajuda a passar o tempo e o deixa animado”, conta a mãe, a professora
Kátia D’Ambrós.
“Gosto de ler à noite, antes de
dormir”, diz o menino. A ficção literária o leva para outros mundos, que
envolvem vilões, guerras mundiais e as aventuras de crianças em escolas. Apesar
de colocar os livros na frente dos filmes, quando não está no hospital coloca
os jogos de videogame no topo da lista de preferências. O que não deixa de ser
uma distração terapêutica.
Fonte: Jornal “Gazeta
do povo”
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