Milho e fubá
Oscar tinha um sítio. Um dia Oscar resolveu levar na camioneta um pouco de esterco do sítio, que era no interior de Minas, para o jardim de sua casa na capital. Na barreira foi interpelado pelo guarda:
— O que é que o senhor está levando aí nesse saco?
— Esterco — respondeu Oscar, farejando aborrecimento: — Por quê? Não lhe cheira bem?
— O senhor tem a guia? — o guarda perguntou, imperturbável.
— Guia?
— É preciso de uma guia, o senhor não sabia disso?
Oscar não sabia. Perguntou ao guarda como é que se arranjava uma guia.
— No Departamento Estadual do Esterco.
O guarda explicou a Oscar como é que ele devia fazer. Oscar deixou o carro na barreira, pegou uma carona e foi até o DEB, no centro da cidade.
— DEB? Devia ser DEE — observou Oscar.
— Devia ser mas não é — informou o funcionário: — É DEB mesmo. Aliás, isso não é comigo: é com seu Redelvim, no segundo andar.
Seu Redelvim, acabou de rabiscar num papel, repousou a caneta e voltou-se para atendê-lo:
— Em que lhe posso ser útil?
— Dá-se o seguinte — explicou Oscar, muito amável, procurando despertar simpatia: — Eu trouxe um saco de esterco do meu sítio...
— Olha o pezinho na cadeira.
— Como?
— O senhor estava encostando o pé na minha cadeira, isso me dá uma aflição danada — seu Redelvim explicou, com vozinha mansa — Pode prosseguir. Um saco de esterco, o senhor disse?
— De esterco — prosseguiu Oscar, e só fazia prestar atenção para não encostar mais o pé na cadeira do homem. — Trouxe do meu sítio. Lá embaixo no primeiro andar um funcionário, seu Alcides se não me engano, me informou que era com o senhor.
Inesperadamente, seu Redelvim se queimou:
— Seu Alcides disse que era comigo? Pois olha, vou lhe dizer uma coisa: eu estava exatamente redigindo uma representação ao Secretário contra esse abuso: tudo é comigo, até esterco! O senhor já esteve no Serviço de Seleção?
— Seleção de quê?
— De esterco, ora essa! Meu amigo, tem esterco de vaca, de galinha, até de passarinho, o senhor pode não acreditar, mas tem.
— Eu acredito — balbuciou Oscar.
— Pois então? — e seu Redelvim sorriu, triunfante.
— O meu é de vaca, se me permite informar.
— Seja do que for, o senhor tem de ir ao Serviço de Seleção.
No Serviço de Seleção perguntaram a Oscar quantos quilos de esterco de vaca ele transportava. Oscar não soube dizer: um punhado, um saquinho deste tamanho, mostrou, erguendo as mãos. O funcionário disse que assim não era possível: tinha de saber o peso exato. Pesasse o esterco e voltasse, querendo. Oscar perdeu a paciência, deixou escapar um palavrão. Voltou à barreira, pegou seu carro e regressou ao sítio com o esterco.
Ao chegar, a mulher lhe disse que ele devia ter corrido um dinheirinho no guarda, ficava tudo por isso mesmo... Eu venho com o milho e ela já volta com o fubá, resmungou Oscar. Mal comparando.
(Fernando Sabino. A mulher do vizinho)
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