“Esta vida”
Um sábio me dizia: “Esta existência
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero, inventaria a morte!
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo: e vibra, e cresce,
e se desdobra, e estala num segundo...
Homem, eis o que somos neste mundo!”
Falou-me assim o sábio e eu comecei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um monge me dizia: “Ó mocidade,
és relâmpago, ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa.
Esta vida não vale grande cousa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto,
o riso às vezes, quase sempre o pranto...
Depois, o mundo, a luta que intimida,
quatro círios acesos ― eis a vida!”
Isto me disse o monge e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um pobre me dizia: “Para o pobre,
a vida é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus...? Eu não creio nessa fantasia!
Deus me dá fome e sede cada dia,
mas nunca me deu pão nem me deu água...
Nunca! Deu-me a vergonha, a nódoa, a mágoa
de andar, de porta em porta, esfarrapado
Deu-me esta vida: um pão envenenado!”
Disse-me isto o mendigo e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Uma mulher me disse: “Vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo!
Sonha um lar, uma doce companheira,
Que queiras muito e que também te queira...
Um telhado... Um penacho de fumaça...
Cortinas muito brancas na vidraça...
Um canário que canta na gaiola...
― Que linda a vida lá por dentro rola!”
Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver!
(ALMEIDA, Guilherme de. “Esta vida”. In, Meus
poemas preferidos. Rio de Janeiro, Edições de Ouro.)
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