“A alma esférica do carioca”
Chego do mato vendo tanta gente de cara triste pelas ruas, tanto silêncio de derrota dentro e fora das casas, como se o gosto da vida se tivesse encerrado, de vez, com as cinzas do finado carnaval dos últimos dias.
Imperdoável melancolia de quem sabe, e sabe muito bem, que esta deliciosa cidade não é samba, apenas; que o Rio, alma do Brasil, afina também seus melhores sentimentos populares por outra paixão não menos respeitável — o futebol.
Esse abençoado binômio, carnaval-futebol, é que explica e eterniza a alma esférica da gente mais alegre de nosso alegre País.
Por que, então, chorar a festa passada se ao breve ciclo da fantasia do samba logo se segue a ardente realidade do futebol? Desmontaram o palanque por ande desfilou a elite do samba? E dai? Lá está o Maracanã, rampas gigantescas, assentos intermináveis, tudo pronto para o grande desfile de angústias e paixões que precedem a glória de um chute. Agora mesmo, alguém me veio dizer, contente, que a grama está uma beleza, de área a área, e que, com as últimas chuvas, o verde rebentou verdíssimo.
Salgueiro, Fluminense, Mangueira, Flamengo, Império, Botafogo — milagrosa alternação de emoções na vida de uma cidade; passos e passes de uma gente que curtiu seu amor ao mesmo tempo no contratempo de um tamborim e no instante infinito de um gol.
Mal se foi o Salgueiro, já vem chegando o Flamengo, preto e vermelho, apontando, ardente, na boca do túnel que se abre para a multidão em delírio.
Couro de gato, bola de couro, quicando e repicando pela glória de uma cidade que não tem porque chorar tristezas.
(Armando Nogueira. Na grande área.
Bloch Editores, Rio de Janeiro, s.d.)
Adoro as cronicas de armando nogueira, apesar de nao ser carioca compreendia a alma carioca como poucos. Grande mestre que deixou saudades de um rio olhado com outros olhos como os meus.
ResponderExcluirabçs
@raphaelsouza11