BOAS VINDAS

Seja bem-vindo/a ao meu blog. Leia, pesquise, copie, aprenda, divirta-se; fique à vontade e tire proveito de sua estada aqui.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Calor do cão, dias de cão



Calor do cão, dias de cão


Às noites abafadas e mal-dormidas seguem manhãs secas e tardes tórridas. Sem trégua para o corpo, quem não rogou por chuva ou sombra nesta estação atipicamente escaldante? E quem, sem encontrar o frescor que procura, não praguejou: “Calor do cão!”? Mas o verão de 2013-2014 não será marcado tão-somente pelos recordes de temperatura. O ar está mais do que quente. Está carregado de uma perigosa escalada de corrosão do tecido social: briga de torcidas em Joinville; rebelião e assassinatos em presídio do Maranhão; criação de grupos de justiceiros no Rio; incêndios em série de ônibus em São Paulo; a ação dos black blocs e a morte do repórter cinematográfico Santiago Andrade. Os tempos que correm são dias de cão.
Calor do cão e dias de cão. Não é coincidência que as duas expressões se encontrem nesta época de temperaturas inclementes. Elas foram forjadas juntas há mais de dois milênios, sob o sol mediterrâneo. Os gregos antigos perceberam haver uma relação entre o calor escaldante e o humor humano. Erraram na causa. Mas criaram um vigoroso simbolismo.
Para eles, a explicação estava nos céus e não na natureza do homem. O cachorro em questão era a constelação do Cão Maior e sua principal estrela, Sírius, a mais brilhante do firmamento (próxima às Três Marias). Os gregos notaram que Sírius, também conhecida como Estrela Cão, sumia por cerca de 70 dias. E, pouco antes do verão, voltava a aparecer no leste, já na alta madrugada.
A conclusão a que aqueles homens chegaram foi de causa e efeito: a estrela com maior fulgor se aproximava do sol nascente e o esquentava. Sírius provocava, então, a estação cálida, o calor do cão. Os gregos acreditavam ainda que aquele período era marcado pela influência maligna do astro celeste: fraqueza de ânimo, tentações da carne e pestilências. Eram os dias de cão.
O Ocidente herdou as duas expressões e as manteve vivas geração após geração. Elas, afinal, continuam a dizer muito. O homem é essencialmente o mesmo desde sempre. Sofre os efeitos da natureza, a despeito da civilização que construiu. E o abafamento do clima continua a ser um potencial catalisador de comportamentos extremados, bestiais.
Talvez seja exagero dizer que o verão brasileiro é a causa dos dias de cão. Mas, se não há explicações certeiras para o diagnóstico, ao menos é possível recorrer a metáforas climáticas para apontar o remédio. É hora de esfriar os ânimos. De andar pela sombra.
Ou, para quem preferir, é tempo de procurar alguma luz na escuridão, como a das estrelas na noite escura. E de lembrar que os homens e suas paixões vão passar, mas que elas continuarão lá no alto – milênio após milênio.

Fernando Martins
 


Nenhum comentário:

Postar um comentário