COMO
NÃO PENSEI NISSO ANTES?
Para
ser um inventor, basta enxergar os problemas como matéria-prima para a criatividade e apostar nas próprias ideias.
“No
meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho.” O poeta
Carlos Drummond de Andrade criou um dos textos mais famosos da literatura
brasileira ao buscar inspiração num obstáculo. De forma parecida, muita gente,
famosa ou anônima, no decorrer da história, tem convertido suas dificuldades em
criações.
Não
é difícil perceber que, na origem de todos os objetos criados pelo homem, havia
um problema. Foi de tanto machucar os pés ao caminhar descalço
que algum remoto
ancestral inventou o calçado, por exemplo. Cansado de beber água usando as
próprias mãos, alguém concebeu o copo. E por aí vai.
Diante
de uma pedra no caminho, pode-se lamentá-la ou tentar removê-la. A primeira
opção é a mais fácil, mas não leva a nada. A segunda nos permite
não só dar um fim ao
empecilho, mas também deixar uma contribuição para a humanidade. Foi esse rumo
que o motorista de caminhão aposentado José Roberto Rodrigues, de 55 anos,
escolheu.
Há
15 anos, em um acampamento, José viu um botijão de gás ir pelos ares.
Impressionado com o acidente, pôs na cabeça que poderia fazer algo para
evitá-lo. Anos
depois, teve a ideia: se acondicionasse o botijão dentro de uma estrutura
fechada e a conectasse com a área externa da casa, o problema estaria
resolvido. Afinal, a
explosão só acontece se há acúmulo de gás dentro da cozinha. Estava concebida a
cápsula antiexplosão.
Para
construir a engenhoca, ele pegou um balde grande de plástico, desses usados
como lixeira, e fez dois furos: um para a mangueira do botijão e outro para
permitir a conexão com o exterior da casa. Se o gás vazar, sai para o ambiente
externo. “Fiz tudo sozinho”, orgulha-se José.
Tempos
depois, inspirado pelas filhas, que volta e meia deixavam a comida queimar,
aperfeiçoou o invento. Adicionou-lhe um dispositivo capaz de controlar
o tempo pelo qual o
fogão permanece aceso. Para isso, comprou um timer, aparelho encontrado em
lojas de material elétrico, e o acoplou à válvula do botijão. Funciona como um
relógio de corda: em quinze minutos, quando completa a volta, o equipamento trava
a saída de gás. Se o cozimento for demorado, é só reprogramar o
dispositivo.(...)
A
história de José mostra que não é preciso pós-doutorado para transformar
problemas do dia a dia em solução. O necessário é ter autoconfiança,
persistência, motivação e capacidade de pensar por si próprio, como enumera a
psicóloga Eunice Alencar, da Universidade Católica de Brasília. “Todos temos essas
características. O que precisamos é saber cultivá-las para despertar nossa
capacidade de criação”, diz Eunice.(...)
A
satisfação de ver a própria invenção ser usada por várias pessoas é algo que
Beatriz Zorovich, de 78 anos, conhece há muitas décadas. Um belo dia, quando
estava na cozinha, ela percebeu que, se a bacia que usava para lavar o arroz
tivesse furinhos, ficaria fácil escorrer os grãos. Com a ajuda do marido, o
engenheiro Sólon Zorovich, construiu um protótipo em uma espécie de papel
alumínio grosso.(...) Deu certo: lançado na Feira de Utilidades Domésticas de 1962,
o escorredor de arroz ganhou as cozinhas de todo o país. Beatriz não sabe
calcular exatamente quanto ganhou com o produto. Mas lembra que os lucros equivaliam
ao seu salário de dentista. A patente expirou em 1978.(...)
COSTA, Rachel. Sorria 13. abr./mai. 2010
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