Quem está preparado para amar?
Éramos
obrigados a estar dentro de um relacionamento, engolíamos muitos sapos,
aceitávamos o destino de viver para sempre com uma pessoa, mesmo que a
convivência fosse infernal. Mas agora tudo mudou, pois ficamos mais conscientes
de nós mesmos, queremos mais. Se antes o importante era o fato de estarmos
comprometidos com alguém ou o tempo que durava o relacionamento, agora vale a
qualidade do encontro. Questionamos as regras, a falta de liberdade, o jeito
mecânico dos relacionamentos. Não queremos mais nos sentir prisioneiros de
relacionamentos complicados. Descobrimos que o “felizes para sempre” era uma
fraude.
No
passado havia muita angústia, repressão e frustração. Os homens levavam e as
mulheres eram levadas numa dança que está ficando para trás. Hoje é mais fácil
ver mulheres bem mais determinadas que os homens. Elas se cuidam bem, ganham o
seu dinheiro, sabem o que querem; eles estão começando agora a sua revolução de
comportamento, e, em decorrência, ocorrem desencontros, até que os dois lados
acertem o passo novamente.
A
sensualidade e a aparência se tornaram referências de vida para muita gente. E
os que buscam o amor, aqueles que ainda querem um relacionamento com
profundidade, não encontram condições para isto. Parece que virou loteria achar
alguém que queira se envolver de verdade. O amor está mais livre do que nunca
e, para sobreviver, ele exige coragem, autenticidade e criatividade. Além
disso, é preciso que ele seja cuidado, com extrema sensibilidade, pelos
amantes.
Mas
quem está preparado para tanto? As pessoas tentam se encontrar, tentam se
relacionar, mas estão bem desajeitadas. O seu repertório de comunicação e o
jeito de proceder ainda estão bastante impregnados dos conceitos antigos, que
não são compatíveis com o momento atual e anulam qualquer boa vontade para
amar.
À
pergunta sobre quais as qualidades exigidas, para se escolher uma pessoa,
apresenta-se uma grande lista: tem de ser sensível, inteligente, companheira,
fiel, trabalhadora, honesta, sarada, bem humorada, alta, magra. Este modelo
ideal é observado entre heterossexuais, homossexuais, adolescentes ou adultos.
É a ilusão da cara metade, da alma gêmea que, diga-se de passagem, nunca vem.
Por isso há tanta gente só ou que não tem paciência para aprofundar uma
relação. Se não for do jeito que queremos, nada feito. E mesmo que o par
perfeito exista e apareça, é preciso muita habilidade para manter esse amor
vivo. Somente a experiência real, com muitos erros e acertos, faz-nos chegar a
uma situação emocional de convivência harmônica e satisfatória. Neste sentido, o
amor de nossa vida nunca vai cair do céu.
O
que está acontecendo, afinal?
Estamos
exigentes conosco mesmos. Temos defeitos, pontos fracos, imperfeições, mas
fomos educados para não aceitarmos este fato. E tentamos, a todo custo,
disfarçar nossas vergonhas, protegendo-nos com uma máscara, com atitudes de
autoafirmação, fingindo que somos seguros e bem sucedidos. Não abrimos mão de
nossas convicções sobre o certo e o errado e vamos, cada vez mais, distanciando-nos
do ser humano de carne, osso e coração que somos. O que faz com que tenhamos
intimidade com outra pessoa é exatamente a naturalidade, a espontaneidade, o
sentimento de que somos reais e, como nós, a outra pessoa também é. Só assim permitimos,
de fato, que o amor aconteça.
Se
conseguirmos olhar para nós mesmos com olhos mais condescendentes, se
reconhecermos nossa vulnerabilidade, já é um passo. Assim ficamos mais humanos
e permitimos que alguém também humano se aproxime de nós, mesmo que esta pessoa
tenha lá suas imperfeições e fraquezas.
(Sergio
Savian, in Sinal verde,
outubro/novembro
de 2005. Adaptado)
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