COMPRAR
REVISTA
Parou,
hesitante; em frente à banca de jornais. Examinou as capas das revistas, uma
por uma. Tirou do bolso o recorte, consultou-o. Não, não estava incluída na
relação de títulos, levantada por ordem alfabética. Mas quem sabe havia relação
suplementar, feita na véspera? Na dúvida, achou conveniente estudar a cara do jornaleiro.
Era a mesma de sempre. Mas a talvez ocultasse alguma coisa, sob a aparência
habitual. O jornaleiro olhou para ele, sem transmitir informação especial no
olhar, além do reconhecimento do freguês.
Peço?
Perguntou a si mesmo. Ou é melhor sondar a barra?
─ Como vão indo as
coisas?
─ Vão indo, meio
paradas.
─ Não tem vendido
muita revista?
O
jornaleiro fitou-o, sério:
─ Nem todo o dia é
dia de vender muita.
─ Eu sei, mais tem
revista e revista ?
─ Lá isso é.
─ A lista está
completa ?
─ Que lista?
─ Das revistas
proibidas.
─ Ah, sim, o listão.
O senhor queria que não estivesse completo?
─ Eu? Perguntei,
apenas. Gosto de saber das coisas com certeza. Às vezes a gente pede uma
revista que não tem mais, que não pode mais ter à venda, e...
─ Por isso que
perguntei. Não quero grilo, entende?
─ Entendi.
─ Nem para o senhor
nem para mim, é lógico.
─ Tá legal.
─ Além do mais, gosto
de cumprir a lei. O senhor também não gosta?
─ Muito.
─ Sou assim. Sempre
gostei. Cumpro a lei, cumpro o decreto, cumpro o regulamento, cumpro a portaria,
cumpro tudo.
─ Eu também, e daí?
─ Daí, não estou
vendo a revista que eu queria, e fico sem saber se posso querer, se a lei me
autoriza a querer minha revista.
─ Bem, se não está no
listão, eu tenho.
─ E por que não
expõe?
─ Não posso expor
tudo ao mesmo tempo. Tenho que mostrar as revistas esportivas, as de palavras cruzadas,
as de cozinha, os fascículos de bichos e viagens, as leis de impacto... Como é
que sobra lugar?
─ Compreendo. Mas não
achando a revista exposta, receei que ela não pudesse mais circular.
─ Por quê? Tem muita
mulher nua, colorida, página dupla?
─ Não.
─ Marmanjo nu, como
está na moda?
─ Também não. De vez
em quando publica umas fotos pequeninas, de cenas de filmes ou peças de teatro,
com barrigas e pernas de fora. Me interessa é as notícias, é como vai o mundo,
e o que se comenta sobre ele. Quero uma revista de ao atualidades.
─ Por que não disse
logo?
─ Porque tem
atualidade e atualidade, então não sei? Pode me vender o Time, ou também
ele já foi proibido? Veja bem, não desejo comprometê-lo. E muito menos a mim, é
evidente. Mas só quero o Time se o senhor garantir que posso levar ele
para casa sem infringir a lei.
(Carlos
Drummond de Andrade)