Diminutivo
Sempre pensei que ninguém batia o brasileiro no uso do
diminutivo, essa nossa mania de reduzir tudo à mínima dimensão, seja um cafezinho,
um cineminha ou uma vidinha. Só o que varia é a inflexão da voz. Se alguém diz,
por exemplo, "Ô vidinha", você sabe que ele está se referindo a uma
vida com todas as mordomias. Nem é uma vida, é um comercial de cigarro com
longa metragem. Um vidão. Mas se disser "Ah vidinha..." o coitado
está se queixando dela, e com toda a razão. Há anos que o seu único
divertimento é tirar sapatos e fazer xixi. Mas nos dois casos o diminutivo é
usado com o mesmo carinho.
O
francês tem o seu "tout petit peu", que não é um diminutivo, é um
exagero. Um "pouco todo pequeno" é muita explicação para tão pouco.
Os mexicanos usam o "poco", o "poquito" e ─
menos ainda que o "poquito" ─ o
"poquetín". Mas ninguém bate o brasileiro.
Era o
que eu pensava até o dia, na Itália, em que ouvi alguém dizer que alguma coisa
duraria um "mezzoretto". Não sei se a grafia é essa mesma, mas um
povo que consegue, numa palavra, reduzir uma meia hora de tamanho ─ e
você não tem nenhuma dúvida de que um "mezzoretto" dura os mesmos trinta
minutos de uma meia hora convencional, mas passa muito mais depressa ─ é
invencível em matéria de diminutivo.
O
diminutivo é uma maneira ao mesmo tempo afetuosa e precavida de usar a
linguagem. Afetuosa porque geralmente o usamos para designar o que é agradável,
aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. E
precavida porque também o usamos para desarmar certas palavras que, na sua
forma original, são ameaçadoras demais.
"Operação",
por exemplo. É uma palavra assustadora. Pior do que "intervenção
cirúrgica", porque promete uma intervenção muito mais radical nos
intestinos. Uma operação certamente durará horas e os resultados são incertos.
Suas chances de sobreviver a uma operação... sei não. Melhor se preparar para o
pior.
Já
uma operaçãozinha é uma mera formalidade. Anestesia local e duas aspirinas
depois. Uma coisa tão banal que quase dispensa a presença do paciente.
(...)
Se alguém disser que precisa ter uma conversa
com você, cuidado. É coisa da maior importância. Os próprios destinos do Pacto
do Atlântico podem estar em jogo. Uma conversa é sempre com hora marcada.
Já uma conversinha raramente passa
do nível da mais cândida inconsequência. E geralmente é fofoca. A hora para uma
conversinha é sempre qualquer hora dessas.
Num jogo você arrisca tudo, até a
hora. Num joguinho aceita-se até o cheque frio.
Entre ter um caso e ter um casinho
a diferença, às vezes, é a tragédia passional.
No
Brasil, usa-se o diminutivo principalmente em relação à comida. Nada nos
desperta sentimentos tão carinhosos quanto uma boa comidinha.
─ Mais
um feijãozinho?
O
feijãozinho passou dois dias borbulhando num daqueles caldeirões de
antropófagos com capacidade para três missionários. Leva porcos inteiros, todos
os miúdos e temperos conhecidos e, parece, um missionário. Mas a dona de casa o
trata como um mingau de todos os dias.
─ Mais
um feijãozinho?
─ Um pouquinho.
─ E
uma farofinha?
─ Ao
lado do arrozinho?
─
Isso.
─ E
quem sabe mais uma cervejinha?
─
Obrigadinho.
─(...)
O
diminutivo é também uma forma de disfarçar o nosso entusiasmo pelas grandes
porções. E tem um efeito psicológico inegável. Você pode passar horas tomando
"cervejinha" em cima de "cervejinha" sem nenhum dos efeitos
que sofreria depois de apenas duas cervejas.
─ E agora,
um docinho.
E
surge um tacho de ambrosia que é um porta-aviões.
(Adaptação de VERÍSSIMO, L. F. “Diminutivos”.
Comédia da vida privada. 101 crônicas
escolhidas. Porto Alegre: LP&M, 1994)