[Sonhar
para quê?]*
Nós dormimos em cima de nossos sonhos, Juvêncio
costumava dizer a Marta, sua mulher.
Ao longo de uma vida de privações os dois
haviam economizado centavo por centavo, assim chegando a mais de U$200 mil, que
inicialmente estavam guardados num banco. Depois, por medo de falta de segurança
levaram-nos para a pequena casa de madeira em que viviam.
E surgiu o problema: onde guardar uma quantia
tão grande? A resposta óbvia era comprar um cofre, mas a isso ele se opunha. Em
primeiro lugar porque custaria dinheiro; depois porque se constituiria em alvo fácil.
Em caso de assalto, tudo o que os ladrões precisariam fazer seria levar o
cofre. Discutiram várias hipóteses: um buraco no pátio, uma caixa no forro da casa.
Locais problemáticos: ambos, idosos, esqueciam as coisas. Será que depois se
lembrariam do esconderijo do dinheiro? Finalmente, Juvêncio decidiu: colocariam
o dinheiro sob o colchão. Lugar clássico, mas, por isso mesmo, seguro: os
ladrões simplesmente o descartariam pela obviedade. E assim os U$ 200 mil foram
postos sob o velho colchão. Sobre ele dormiam, ou discutiam o que fazer.
Uma viagem à Itália, país natal de ambos, era
a opção mais tentadora, mas trabalhosa. Além do mais, um dos dois sempre estava
adoentado. E aí foram furtados. Uma noite, regressando da visita a um amigo,
encontraram a casa arrombada. O ladrão tinha levado um liquidificador novo, mas
isso era de menos: pálidos de medo, correram para o dormitório, e aí o
choque e a amarga desilusão: o colchão havia sido afastado e os dólares haviam sumido.
Ficaram arrasados. Suas almejadas viagens ficaram mais distantes.
Só conseguiram se recuperar com a ajuda do padre
que convenceu-os argumentando que dinheiro é coisa secundária. Não estavam
feridos e poderiam continuar sonhando. Não com viagens, mas em voltar a dançar
tango, por exemplo. Ambos haviam sido excelentes bailarinos. Confortados, eles
dedicaram-se, a partir de então, a recuperar sonhos. Já se viam em sonhos,
dançando tango no teatro da cidade.
Chegaram a ir ao teatro para conhecer. Quando
retornaram, de noite, constataram que a casa fora assaltada de novo. Desta vez,
os ladrões haviam levado o colchão.
Moacyr Scliar
*Título meu
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